(Eva Alterman Blay/Jornal da USP) “A vida decide e impõe às mulheres certos caminhos. Podemos ou não nos rebelar, mas no fim acabamos cumprindo as obrigações que o destino nos reservou.” Como se nota, a linguagem que usei na frase anterior é absolutamente autoritária, messiânica, religiosa e machista. Mas, queiramos ou não, a maioria de nós mulheres acabamos cumprindo o que Helena Hirata descreve como “o cuidado”: cuidamos da casa, dos filhos, do marido, do amante, dos namorados, dos velhos, dos doentes, dos e das amigas, e raramente de nós mesmas.
Mas, infelizmente, apesar de cuidar dos companheiros, é frequente que em troca recebam agressões, violências físicas e psicológicas, e como temos visto chega-se ao feminicídio. Há décadas que os movimentos feministas têm alertado que a violência se dá num processo, procuraram desmistificar as falsas juras de amor e arrependimento do companheiro violento, indicando sobretudo às jovens que não aceitem nenhum tipo de violência. Iludidas por desculpas interpretam formas de dominação como amor. Não demora muito para que enredadas com filhos, sem recursos financeiros, se afastam das famílias de origem e mesmo de amigas, sentem-se envergonhadas como se elas é que fossem culpadas pelas violências. Quando uma mulher entra num quadro de desesperança e reclusão, ela perde vínculos sociais e com frequência se esfacela sua autoestima. Quase nada lhe resta. Será mesmo?
Inconformadas com esse desalento grupos de mulheres das mais variadas profissões desenvolveram alternativas para romper o isolamento e criar alternativas emocionais, psicológicas e sobretudo econômicas. Foi surpreendente o cenário que presenciei durante o 16º Encontro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Durante dois dias foram apresentadas múltiplas ações geradas por pessoas de organismos oficiais ou da sociedade civil: mulheres da Polícia Civil de Minas, da Guarda municipal de Campinas (Estado de São Paulo), do Ministério Público do Acre e de São Paulo, agentes da Polícia Militar da Paraíba, da Polícia Civil de São Paulo. Essas agentes, além de atender os conflitos, evitando feminicídios, criaram soluções usando recursos locais, parcos na maioria das vezes. Desse modo conseguiram impulsionar mulheres, famílias, jovens e até crianças criando alternativas para melhorar as condições de vida da população local. Essas profissionais se somaram às ações do Me Too, do Instituto Liberta, aos dados fundamentais do Instituto Patrícia Galvão.
Um novo capítulo se inaugurou com a articulação entre organizações da sociedade civil e empresas “amigas das mulheres” como Avon, Uber, e o próprio FBSP. Em alguns casos realizaram ações micro do ponto de vista econômico, mas de imenso significado para mulheres e famílias que não tinham nenhuma alternativa. Cito uma das alternativas da Rede Mulheres Empreendedoras, apoiadas com recursos financeiros de algumas empresas, a Rede pode, por exemplo, dar a fundo perdido, uma pequena importância a uma mulher permitindo-lhe comprar uma máquina de costura.