TJ não concede 83% dos habeas corpus pedidos pela Defensoria para mulheres acusadas de aborto em SP, diz pesquisa

06 de agosto, 2018

Entre os negados, há duas mulheres que foram criminalizadas mesmo tendo feito aborto legal com atendimento de equipe especializada. 56,6% dos casos são denunciados por funcionários da Saúde.

(G1, 06/08/2018 – acesse no site de origem)

A Justiça de São Paulo não concedeu 83% dos habeas corpus pedidos pela Defensoria Pública para mulheres acusadas de terem praticado aborto. Supremo Tribunal Federal faz nesta segunda-feira (6) debate sobre a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação.

De acordo com a relatório do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) da Defensoria Pública de São Paulo, dos 30 pedidos de arquivamento de ações, apenas cinco foram concedidos, um foi recusado e outro considerado prejudicado.

Os casos ocorreram entre 2003 e 2016. Os pedidos à Justiça foram feitos em setembro de 2017.

Entre os negados, há duas mulheres que foram acusadas pelo crime, mesmo tendo feito aborto legal com atendimento de uma equipe especializada.

Nos dois processos, a gestação foi resultado de uma violência sexual, mas a informação não constava no processo. Em um deles, havia autorização judicial para a realização da interrupção da gravidez, segundo a Defensoria.

“Esses casos são especialmente chocantes. Ser acusada mesmo tendo feito aborto com autorização judicial. Em outro caso, a mulher era vítima de violência doméstica e o agressor não foi denunciado”, diz a defensora Ana Rita Prata, do Nudem.

O relatório do Nudem aponta que 60% dos habeas corpus concedidos tiveram a participação de desembargadoras mulheres ou relatoras na votação.

Em uma das negativas, um desembargador disse que a acusada tinha outros métodos para evitar uma gravidez.

“É bom que se lembre aqui que existem atualmente vários medicamentos anticoncepcionais, bem mais baratos que aquele valor já citado, além de outros métodos de que a paciente poderia perfeitamente ter lançado mão. Assim não procedeu porque não quis”, trecho extraído de declaração de voto apresentado na pesquisa.

Procurado pela reportagem do G1, a assessoria de imprensa do TJ disse que por se tratar de questão jurisdicional, o Tribunal de Justiça não comenta tampouco emite nota.

Homens

Das 30 ações penais, 24 têm apenas a mulher como suposta autora da prática do aborto. Nos seis casos em que há mais pessoas, em 5 deles um dos corréus é o genitor.

Apesar de os homens serem acusados em apenas 5 casos, eles aparecem em 21 processos, sendo que em 9 há informações de que eles teriam fornecido ou disponibilizado o método abortivo.

Denunciantes

Como essas mulheres chegam ao sistema de segurança pública? A pergunta também foi feita pela Defensoria. A resposta está no relatório: em 56,6% dos casos, ou seja, 17 dos 30 analisados, as denúncias foram feitas por profissionais de saúde.

Contudo, em 21 casos houve quebra de sigilo profissional, o que corresponde a 70% do total de processos analisados.

Das 30 ações analisadas, constatou-­se que 20 hospitais forneceram documentos médicos da paciente acusada da prática do crime, sendo profissionais de saúde participaram de 19 depoimentos em delegacia. Apenas um hospital informou que não disponibilizaria os documentos em respeito ao dever ético de sigilo médico.

Dentre os denunciantes ou testemunhas de acusação, há 11 médicos, sendo 4 mulheres, 11 enfermeiros, sendo 7 mulheres, e 3 assistentes sociais. Em dois casos, há mais de um denunciante.

Ética médica

Questionado pelo G1 sobre tais dados, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) afirmou, em nota, que a quebra de sigilo médico, até mesmo denúncias de profissionais contra pacientes em casos de aborto, é considerado infração ao Código de Ética Médica, bem como ao Código Civil e Código Penal.

“O artigo 73 do Código de Ética Médica é taxativo: é vedado ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

E que esta proibição permanece: “a) mesmo que o fato for de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.”

Ainda de acordo com o Conselho, o sigilo profissional também está previsto no artigo nº 154 do Código Penal, no artigo nº 207 de Processo Penal e no artigo nº 448, inciso II, do Processo Civil, que visam a segurança dos pacientes.

“As exceções são claras e os profissionais conhecem o seu dever. A paciente lesada poderá fazer denúncia ao Conselho Regional de Medicina por infração ao Código de Ética Médica. ”

A denúncia, porém, precisa ser feita presencialmente na sede do Cremesp, no Centro de São Paulo.

Em cinco casos, as mulheres foram presas em flagrante, com fianças que variaram entre R$ 724 e R$ 3 mil. As prisões que aconteceram em hospitais ocorreram com escolta policial e manutenção de algumas mulheres algemadas ao leito (súmula do Supremo Tribunal Federal veda a prática) até a alta médica ou pagamento da fiança.

Em outro caso, uma jovem de 19 anos foi presa em flagrante após sofrer um aborto no banheiro do local do seu trabalho. A jovem permaneceu internada com escolta até pagar fiança de R$ 1,5 mil. “Nenhum exame pericial feito confirmou que o aborto foi provocado, sendo certo que a jovem negava, inclusive, saber estar grávida. Os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem também prestaram depoimento no processo alegando que não tinham elementos para afirmar se o aborto era espontâneo ou provocado”, diz a Defensoria.

Perfil

As mulheres acusadas pelo crime de aborto têm entre 16 e 41 anos. Oito delas eram menores de 20 anos, 14 mulheres estavam na faixa dos 20, 7 na faixa dos 30 anos e 1 na faixa dos 40 anos.

Das 30 mulheres, 16 já tinham filhos. Quinze mulheres eram brancas, 11 pardas, 3 negras e uma asiática. Vinte declararam ser solteiras, cinco casadas, duas em união estável e 3 separadas.

Com relação à escolaridade, 14 estavam cursando ou tinham o ensino médio completo, 12 estavam cursando ou tinham o ensino fundamental completo e 1 possuía ou estava cursando o superior completo. Em três ações não havia a informação de escolaridade.

Elas tinham as mais diversas profissões, como atendentes, balconistas, manicures, vendedoras, entre outras. Seus salários variavam de R$ 600 a R$ 900.

Todas eram ré primárias e com bons antecedentes.

Entre os métodos supostamente utilizados para a prática de aborto, nos termos do que está descrito nas denúncias, a maioria se utilizou do remédio citotec, em 21 casos.

Cíntia Acayaba e Lívia Machado

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