Tribunais desprotegem mulheres com conceito reduzido de ‘violência baseada no gênero’, por Jandira Feghali e Carmen Hein de Campos

MULHERES REALIZAM ATO EM DEFESA DOS 4 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA

Ato em Brasilia, na praça do Buriti, mulheres reunidas em defesa da Lei Maria da Penha. Foto: Agência Brasil

28 de novembro, 2022 Carta Capital Por Jandira Feghali e Carmen Hein de Campos

Critérios exigidos não estão previstos na Lei Maria da Penha e violam o direito de proteção e de acesso das mulheres à justiça

O mesmo país que ostenta com orgulho ter uma norma como a Lei Maria da Penha viu, ao longo dos 16 anos de sua vigência, inúmeras dificuldades para sua completa aplicação. A princípio, esses obstáculos se concentravam na lenta efetivação dos instrumentos que garantissem o enfrentamento à violência doméstica contra a mulher. A Lei precisava de varas especializadas e de uma rede multidisciplinar de apoio para acolher as mulheres e seus filhos; capacitar profissionais; reeducar e punir agressores.

Este artigo, escrito em conjunto por quem relatou a lei e por quem integrou o Consórcio que elaborou o anteprojeto de lei, propõe um debate nesses 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher para que as dificuldades sejam visibilizadas e ultrapassadas. Enfrentamos, durante o processo de elaboração da lei,  a contrariedade de juízes de juizados especiais criminais que insistiam em manter esses juizados como fóruns de decisão para os casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Hoje, as dificuldades enfrentadas referem-se aos entendimentos dos tribunais sobre a “violência baseada no gênero”. Tribunais têm reduzido a interpretação deste conceito e deixado de aplicar a lei a inúmeras situações de violência doméstica e familiar previstas na legislação.

A consequência dessa interpretação é a desproteção das vítimas.  Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no sentido de que, para a aplicação da Lei Maria da Penha, “não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero”. (STJ, AgRg no REsp n. 1.430.724/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 17/3/2015, DJe 24/3/2015).

A Lei está fundada nos princípios da prevenção, proteção e punição previstos na Convenção de Belém do Pará e que têm sido sistematicamente aniquilados pela restritiva interpretação judicial. Observa-se que a lei tem deixado de ser aplicada a casos em que há conflitos colaterais, disputas em relação à guarda dos filhos, violência de irmão contra irmã, de neto contra avó, em conflitos patrimoniais e até em casos em que o agressor estava alcoolizado ou sob efeito de drogas lícitas ou ilícitas no momento da agressão, entre outras situações.

Os critérios exigidos de vulnerabilidade, hipossuficiência, motivação de gênero, subordinação, dependência econômica, apenas para citar alguns, não estão previstos na Lei Maria da Penha e violam o direito de proteção e de acesso das mulheres à justiça.

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