Vulneráveis, empregadas domésticas da América Latina sofrem na pandemia, por Sylvia Colombo

10 de maio, 2020

Mulheres são maltratadas pela lei e têm direitos desrespeitados por quem carrega mentalidade colonial

(Folha de S.Paulo, 10/05/2020 – acesse no site de origem)

Elas são chamadas de vários modos na América Latina. “Mucama”, “señora”, “muchacha” ou, como no Brasil, empregada doméstica. Na pandemia de coronavírus , uma das falhas dos sistemas trabalhistas da maioria dos países da região está exposta: o modo como essas mulheres são maltratadas pela lei e tem direitos desrespeitados por patrões que ainda carregam uma mentalidade colonial.

Transformam-se, facilmente, numa das primeiras vítimas de uma crise econômica como a que vivemos.

Parece uma cruel contradição, uma vez que, ao mesmo tempo, elas estão tão metidas na intimidade da vida de seus patrões.

O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho (PSDB), anunciou que a atividade das empregadas domésticas será considerada essencial durante o “lockdown” da cidade, contradizendo lei federal sobre o assunto.

Coutinho reflete uma demanda típica da elite latino-americana, que até aceita sacrifícios em caso de necessidade. Varrer uma cozinha ou limpar um banheiro, porém, nem pensar.

Em outros países da América Latina, as domésticas também não estão passando nada bem. Embora existam legislações que regularizam a atividade, a contratação sem carteira assinada predomina.

Aqui na Argentina estima-se que existam pelo menos 750 mil trabalhadoras sem registro, segundo o sindicato de Pessoal Auxiliar de Casas Particulares.

Na capital, Buenos Aires, muitas delas são imigrantes de países limítrofes, como o Paraguai e a Bolívia, e estão em situação irregular, o que as deixa de fora, também, da possibilidade de receber o auxílio governamental.

Desde 20 de março, quando começou a quarentena nacional e obrigatória, as empregadas domésticas não podem trabalhar, uma vez que, acertadamente, o decreto do governo de Alberto Fernández não as classificou como trabalho essencial.

As que são contratadas continuam recebendo salário sem ir ao emprego, mas a imensa maioria, as que não tem carteira assinada, depende  da boa vontade dos patrões, que podem ou não querer continuar a pagá-las, mesmo que não compareçam.

Muitas, com medo de ficar sem dinheiro, têm ido trabalhar com a anuência irresponsável desses empregadores. Como não estão na categoria de essenciais, correm o risco de serem paradas, no caminho ao trabalho, pela polícia.

Nesse caso, são multadas e podem até ser presas, além do risco de serem contaminadas.

Para Carlos Brassesco, advogado do sindicato, direitos humanos estão sendo violados. “Alguns patrões obrigam as empregadas a usar máscara, mas eles mesmos não usam, o que as coloca em perigo”.

Falando em abuso de direitos humanos, Aída Rosales, do Sindicato de Mulheres Trabalhadoras do Lar, de El Salvador, diz que vem sendo comum que patrões, em seu país, condicionem a manutenção dos pagamentos para as domésticas à obrigação de dormir nas casas em que trabalham.

Muitas têm aceito o trato por não terem opção, o que evoca os tempos da escravidão.

Uma vez que teremos um “novo normal”, em que o mundo do trabalho será, em teoria, repensado depois da pandemia, seria importante profissionalizar de fato essa atividade e acabar com as anomalias históricas do ofício.

Sylvia Colombo
Correspondente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa KnightWallace da Universidade de Michigan.

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