Com zika, cresce apoio da população brasileira a direito de interromper gestação

01 de março, 2016

(Agência Patrícia Galvão, 01/03/2016) A pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda-feira (29/02) revela um dado novo: a aceitação do direito de interrupção da gestação cresceu diante do debate público gerado pela epidemia de zika vírus, associado à má formação neurológica fetal. Entre a pesquisa Datafolha de novembro de 2015, sobre a legislação do aborto em geral, e a atual pesquisa realizada no contexto da zika, a parcela da população favorável à garantia deste direito passou de 27% para 39%.

Apesar da desaprovação da maioria da população em relação à prática do aborto, esse índice diminuiu de 67% para 51%.

A Agência Patrícia Galvão repercute o crescimento do apoio à interrupção da gestação com a socióloga e especialista em pesquisas de opinião Fátima Pacheco Jordão e com a antropóloga e professora da Universidade de Brasília Debora Diniz, da Anis – Instituto de Bioética. Confira a análise das especialistas:

Apoio a direito de interrupção aumenta e é maior entre quem ganha de 2 a 10 salários mínimos

“O primeiro elemento a destacar na pesquisa Datafolha é a mudança de relação entre as opiniões pró-descriminalização e pela proibição da interrupção da gestação que verificávamos poucos meses atrás. Em novembro do ano passado, portanto há cerca de três meses apenas, tínhamos no Datafolha sólidos 67% da população contra a descriminalização em qualquer hipótese. Ou seja, 7 em cada 10 brasileiros diziam ‘não’ a qualquer permissivo sobre o aborto. Com a questão da epidemia do zika vírus, associado à má formação na gestação, e o processo de aprendizado com uma série de informações sobre a doença pelo qual estamos passando, o percentual de brasileiros contrários a qualquer hipótese de interrupção da gestação baixou para 51%. Estamos falando de significativos 16 pontos percentuais. O posicionamento a favor do direito à interrupção da gestação, por sua vez, subiu de 27% para 39% – ou seja, 12 pontos percentuais. Em se tratando de pesquisa de opinião, pode-se dizer que esses dados expressam uma mudança bastante significativa – ainda mais para um tema complexo como o aborto, um tema que não se explicita em conversas, sobre o qual a sociedade não discute. Essa mudança, em si, já é um marco.”
Fátima Pacheco Jordão

“A pesquisa do Datafolha mostra algo surpreendente para nós que acompanhamos as pesquisas de opinião no Brasil nos últimos tempos: houve um crescimento importante do número de pessoas que responderam a pesquisa dizendo que são favoráveis ao direito ao aborto. Se nós olharmos os dados com atenção, quando perguntados: ‘Grávidas que tiveram zika deveriam ter o direito de fazer aborto?’, 32% dos entrevistados são favoráveis e 10% não têm opinião formada – ou seja quase metade da população não é contrária. E, entre os que ganham entre 2 e 10 salários mínimos, metade é favorável ao direito ao aborto imediato. Então, tivemos um crescimento significativo.”
Debora Diniz

Com debate público e informação, cresce apoio à não-criminalização

“Outro dado importante é a leitura dos dados de desenvolvimento – escolaridade, situação socioeconômica e região de moradia das pessoas entrevistadas. A rejeição ao direito ao aborto é de 56% entre as pessoas que só cursaram até o ensino fundamental e 39% entre os que têm alta escolarização. O elemento da falta de informação – do conhecimento de causa, da possibilidade de avaliação das consequências, da liberdade frente à influência dos aspectos religiosos ou culturais – é muito dramático.”
Fátima Pacheco Jordão

“Essa pesquisa foi realizada em um momento de descobertas e contradições – há muitas incertezas na ciência ainda e, naturalmente, muita confusão no debate público. A pesquisa de opinião, por exemplo, pergunta sobre microcefalia porque a sociedade tem falado muito assim, mas a ciência já afirma que a microcefalia é apenas um sintoma dessa síndrome congênita que está vinculada ao zika vírus.

Apesar das incertezas da ciência e das confusões que ainda existem no debate público, já houve um salto na discussão sobre o problema. A opinião pública está de acordo com uma de nossas principais teses: nós podemos estar diante de muitas indefinições, mas nós sabemos como garantir os direitos das mulheres. Por isso, é tão significativo ter esse aumento de aprovação entre a população do direito à interrupção da gestação no contexto da epidemia do zika vírus.”
Debora Diniz

 

Diante das incertezas da ciência, é preciso garantir direitos

“A Anis anunciou que prepara uma ação de planejamento familiar e proteção à maternidade e à infância para levar ao Supremo Tribunal Federal.

Vivemos em um estado de epidemia. As mulheres, especialmente as mulheres pobres do Nordeste do país, vivem em regiões epidêmicas do mosquito da dengue, que hoje transmite o zika vírus. Essas mulheres, ao primeiro sinal de uma virose, de sintomas de estarem infectadas pelo zika vírus, precisam ter acesso ao melhor exame disponível para diagnosticar se o que elas têm é uma infecção pelo zika. Se o exame não estiver disponível, que médicos tenham formação e competência para diagnosticar como um possível caso de zika.

A ação propõe que seja oferecido a essas mulheres um pacote amplo de possibilidades de planejamento familiar, entre elas um acompanhamento especializado de pré-natal ou a possibilidade da interrupção da gestação. O direito ao aborto não está condicionado, neste caso, a alterações no feto, mas à experiência de tortura psicológica a que as mulheres brasileiras estão sendo submetidas pela epidemia. E nós já temos algo semelhante em nosso ordenamento jurídico: o aborto por estupro. Nós não perguntamos a essas mulheres se o feto vai ter alguma singularidade física, mental, neurológica. Nós reconhecemos que a situação de intenso sofrimento causada por um estupro é razão importante suficiente para que o Estado brasileiro reconheça a ela o direito a uma interrupção legal da gestação.
Muitas mulheres poderão escolher a interrupção. Muitas mulheres poderão escolher manter a gestação. A essas mulheres que escolherem manter a gestação, nós exigimos um Estado social forte de proteção à maternidade e à infância.”
Debora Diniz

>> Saiba mais sobre a ação da Anis junto ao STF
>> Acompanhe a cobertura da imprensa sobre esse debate

 

Contato com das fontes:
Debora Diniz – doutora em Antropologia, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
[email protected]; [email protected]
(61) 3343.1731

 

FatimaPJordao-sorrindo_LucianaAraujo_1080Fátima Pacheco Jordão – socióloga especialista em pesquisas de opinião
[email protected]
(11) 96063.5445 / 3824.0695

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