Medo de sentir dor e falta de esclarecimentos motivam cesáreas, aponta pesquisa

16 de janeiro, 2015

(Folha de S. Paulo, 16/01/2015) Quando soube que estava grávida, a professora Fabiana Diógenes, 34, de São Paulo, logo avisou sua obstetra: queria que seu parto fosse cesariano, para não sentir dor.

“A médica tentou conversar comigo, mas eu estava decidida, diz. “Minha preocupação era que minha filha não nascesse antes do tempo.”

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A administradora Mariana Ferreira Olivieri de Souza, 30, também optou pela cesariana por causa do receio de sentir dores e de ter complicações no nascimento de seu filho Vitor, de oito meses.

Pesquisa Cesárea

“Minha médica expôs os prós e contras de cada tipo de parto, explicou quais eram os riscos, e optei pela cesárea. Cada um deve escolher o tipo de parto com o qual se sente mais confortável”, afirma.

O medo é comum, segundo um estudo da Fiocruz com dados de 24 mil gestantes de 266 maternidades públicas e privadas do país, e é o principal motivo que leva as mulheres a escolher a cesariana no Brasil. Hoje, 56% dos partos no país são feitos dessa maneira. Na semana passada, o Ministério da Saúde anunciou medidas para mudar essa quadro.

A pesquisa mostrou que, entre as mães de primeira viagem da rede pública, 83% citaram o medo da dor do parto como principal razão para preferir a cesárea. Na rede privada, 69% disseram o mesmo.

Em seguida, na lista de motivos para a escolha da cesárea, aparecem fatores como relatos de amigas e familiares e problemas de saúde.

Mais mulheres atendidas na rede privada afirmaram ainda que a cesariana está associada a um bom padrão de atendimento e traz maior segurança para o bebê.

“A cesárea virou bem de consumo. No setor privado, acredita-se que ela é tão segura quanto o parto normal. Se ela é segura igual, prática e cômoda, por que não?”, questiona Rosa Domingues, epidemiologista da Fiocruz e uma das autoras do estudo.

O editorial do projeto Nascer no Brasil, do qual o estudo da Fiocruz faz parte, aponta ainda que a cesárea vem sendo uma opção para minimizar o sofrimento do parto normal, “que quase sempre ocorre com muita dor”.

Ainda segundo a pesquisa, menos de 5% das mulheres utilizaram práticas recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para uma assistência adequada ao trabalho de parto.

“Mulheres no mundo todo têm medo da dor. A questão é como lidar com ela”, diz Domingues. Ela cita o exemplo da Inglaterra, onde as grávidas fazem cursos sobre como amenizar o sofrimento com massagens, caminhadas, água quente e anestesia.

A pesquisadora lembra que a cesárea também pode trazer dores e que essa troca nem sempre é feita de maneira esclarecida.

A pedagoga Juliana da Silva Moreira, 33, teve seu terceiro filho na Inglaterra e pôde comparar a experiência com o nascimento dos dois primeiros no Brasil.

Em sua primeira gravidez, tentou fazer um parto normal na rede pública mas sentiu muitas dores. No fim, precisou fazer uma cesárea. Já na segunda gestação, vendeu seu carro para que o segundo nascesse de cesárea com um médico privado. “Não quis esperar, não quis sentir dores”, conta. A recuperação, porém, foi difícil.

Já na Inglaterra, foi acompanhada o tempo todo por uma enfermeira obstétrica. “Eles queriam que meu parto fosse normal, mas por causa das cesáreas anteriores achavam que não seria recomendado, e no fim não foi mesmo. Mesmo assim fiz ginástica, descia escadas, recebi um preparo e um apoio muito grande para ter parto normal humanizado.”

PRIMEIRA OPÇÃO

A pesquisa da Fiocruz apontou ainda que quase 70% das mulheres tinham o parto normal como preferência inicial.

Para Rita de Cássia Sanchez, coordenadora da maternidade do hospital Albert Einstein, o baixo número desse tipo de parto mostra que a escolha não tem recebido tanto apoio.

“Precisamos informar a gestante que ela não precisa ter medo e há formas de amenizar a dor. Mas o que acontece no meio desse caminho? Será que não é o médico que está gerando insegurança?”

Com seus 56% de partos realizados por cesárea, o Brasil é campeão mundial nesse tipo de procedimento, segundo a OMS. A entidade estipula uma taxa máxima de 15% de cesarianas, porque o excesso de cirurgias pode trazer mais danos, como nascimentos prematuros, do que benefícios.

Poucos países, como Bélgica e Noruega, porém, atingem esse índice. Sanchez diz que a meta poderia ser algo em torno de 30% (taxa dos EUA), considerando que as mulheres têm engravidado mais tarde e isso pode trazer mais riscos e dificuldades para o parto normal.

Mariana Versolato

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