(Folha de S.Paulo, 15/03/2016) Será que o Ministério da Saúde errou feio na projeção de casos do vírus da zika?
Essa é uma dúvida que me persegue desde dezembro, quando o ministério divulgou dois cenários possíveis: na previsão mais otimista, o vírus teria infectado 497.593 pessoas no país em 2015. Na mais pessimista, 1,4 milhão de pessoas foram contaminadas.
Considerando a projeção mais conservadora, São Paulo seria o Estado com maior número de casos estimados, com 236 mil. Em seguida viriam Minas Gerais (54 mil), Paraná (42 mil), Ceará (38 mil) e Pernambuco (34 mil).
Ou seja, seguindo esse raciocínio, São Paulo, Minas e Paraná deveriam estar liderando também os casos de microcefalia associados ao zika.
Mas não é isso que tem ocorrido, segundo o último boletim epidemiológico do ministério. O Estado de São Paulo ainda não tem nenhum caso confirmado de microcefalia associado ao zika. Minas, tem um caso. Paraná continua sem nenhum. Ceará tem 41 e Pernambuco, 241.
Ainda que haja uma verdadeira bagunça nas notificações (por exemplo, o município de São Paulo diz que há seis casos confirmados de microcefalia associados ao vírus da zika, mas esses números, sabe-se lá por que, ainda não comparecem no boletim do ministério), com alguns Estados adotando critérios diferentes dos do governo federal, se tivéssemos uma epidemia em curso, ela já teria mostrado a sua cara.
Até o momento, o Brasil investigou 4.231 casos suspeitos de microcefalia, com 745 confirmações e 1.182 casos descartados. Dos 745 casos confirmados, 725 são do Nordeste. Apenas 20 estão em outras regiões do país.
É interessante observar também que, na região Nordeste, a taxa de confirmação de microcefalia em casos suspeitos dessa má-formação é de 43,6%. Em todas as regiões do país, é de 5%.
Vou abrir um parêntese aqui. Uma coisa que não dá para entender é por que não há uma celeridade na investigação dos casos suspeitos de microcefalia no Rio de Janeiro, que será a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016?
Nessa paranoia internacional que se transformou a epidemia de zika, já houve até quem defendesse o cancelamento dos Jogos no Rio. Ao mesmo tempo, muitas pessoas têm desistido de vir para o país temendo o contágio.
Qual é a situação real do Rio? Segundo o Ministério da Saúde, o Estado tem um total de 291 casos notificados de microcefalia entre 2015 e 2016, dos quais 269 continuam em investigação, com duas confirmações e quatro descartes. O quadro de casos confirmados permanece inalterado desde o fim de janeiro.
O que esses dados mostram? Que os casos de microcefalia associados ao zika estão concentrados no Nordeste, mais precisamente em Pernambuco, com 241 casos confirmados.
Questionei recentemente o ministro da Saúde, Marcelo Castro, sobre isso e ele foi categórico em afirmar que tudo é uma questão de tempo. Logo, segundo ele, São Paulo e outras regiões com aumento de casos de zika também vão apresentar mais casos de microcefalia.
Das duas uma: ou os números projetados para o Sudeste em 2015 são totalmente irreais (e o ministério deveria admitir isso) e o pior ainda está ainda está por vir ou ainda tem muito mais caroço nesse angu do que a gente imagina.
A atual concentração de casos de microcefalia no Nordeste reforça a suspeita de alguns pesquisadores de que exista um outro fator, além do vírus da zika, relacionado a esse aumento de casos de má-formação. Co-infecção com outros arbovírus? Falta de algum micronutriente nessas gestantes? Alguma questão ambiental?
A comunidade científica nacional e internacional está incansável na busca dessas respostas. Enquanto elas não chegam, é importante dar a exata dimensão da epidemia com base em dados reais. Mas para isso é preciso que as pessoas tenham acesso a testes que identifiquem com precisão o que realmente as infectou (já que os sintomas de zika, dengue e chikungunya podem ser muito parecidos).
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem alardeado em peças publicitárias que as grávidas paulistas terão acesso a esses testes no pré-natal. As gestantes estão ligando para as prefeituras ou indo até as unidades de saúde, sem sucesso. Ninguém sabe informar quando esses testes chegarão de fato. Na rede privada, o exame de zika custa pelo menos R$ 850, ou seja, inacessível para a maioria. É um bom exemplo de propaganda a desserviço da saúde pública.
Acesse no site de origem: Projeções duvidosas de zika e propagandas a desserviço da saúde, por Cláudia Colluci (Folha de S.Paulo, 15/03/2016)