(Época, 21/09/2014) E difícil encontrar quem considere a mulher que aborta como uma assassina, mesmo entre os que são radicalmente contra o aborto. A condição da mulher que tira o próprio filho se assemelha mais à de um viciado em drogas: alguém fragilizado, capaz de correr riscos extremos para alcançar seu objetivo. Segundo a investigação da polícia do Rio de Janeiro, a auxiliar administrativa Jandira Magdalena dos Santos, de 27 anos, corresponde a essa descrição. Grávida havia quase quatro meses, Jandira decidiu abortar. Ela não se enquadrava nas exceções em que o aborto é permitido pelo Código Penal brasileiro. No dia 26 de agosto, segundo a investigação, Jandira se internou numa clínica de aborto clandestino de Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio. A fim de tirar o bebê, provavelmente movida pelo desespero, ela se envolveu com uma quadrilha de crime organizado. Mais de três semanas após entrar na clínica, Jandira continua desaparecida.
A polícia investiga se são dela os restos carbonizados encontrados num carro incendiado, num bairro próximo. Quatro suspeitos foram presos: uma motorista, um policial civil e dois acusados de falso exercício de medicina. Em depoimento, a motorista afirma que Jandira morreu na clínica.
A mulher que busca o aborto clandestino expõe-se a falsos médicos desqualificados, equipados com instrumentos improvisados, em instalações insalubres. Para manter seu lucrativo negócio, clínicas ilegais ocultam as trágicas conseqüências de sua inaptidão e subornam policiais. O desespero de mulheres como Jandira alimenta o crime organizado.
O Estado se omite ao tratar mulheres que abortam ilegalmente como uma questão de segurança pública. Devem ser tratadas como uma questão de saúde, segundo o modelo recente de atender viciados em drogas: com campanhas de prevenção, diálogo franco e assistência médica de qualidade.
Acesse o PDF: Quem aborta também é vítima, por Editorial (Época, 21/09/2014)