Zika: organizações de mulheres apontam negligência do Ministério da Saúde

05 de setembro, 2016

Em carta, instituições apontam que atuação da pasta “viola direitos fundamentais das mulheres e adolescentes que estão em situação de risco, além de apontar falha sistemática”.

(Marina Pita/Agência Patrícia Galvão, 05/09/2016)

UNFPA debate surto de zika e direitos reprodutivos das mulheres ONU BR Unicef BRz Ueslei Marcelino

Organizações de defesa dos direitos das mulheres enviaram comunicado oficial à Coordenação Geral de Saúde da Mulher e à Coordenação Geral de Sáude do Adolescente do Ministério da Saúde em que apontam a “negligência” da pasta em tratar da saúde das mulheres de forma integral, reconhecendo as diferentes realidades enfrentadas por elas e garantindo o seu direito à autonomia reprodutiva, diante da epidemia Zika”.

De acordo com as organizações nacionais e internacionais signatárias da carta, a atuação da pasta “viola direitos fundamentais das mulheres e adolescentes que estão em situação de risco, além de apontar falha sistemática em cumprir com compromissos internacionais em matéria de direitos humanos”.

A carta critica a resposta do governo Federal, uma vez que o Brasil – um dos mais atingidos pela epidemia do zika – “ainda não tratou adequadamente das restrições legais e as diversas barreiras que afetam o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, particularmente para as mais vulneráveis em função de sua condição sócio econômica, raça, idade e local de moradia, aos métodos modernos e seguros de regulação da fecundidade. Tampouco tomou medidas para informar amplamente, através de campanhas públicas, as mulheres sobre os resultados de pesquisas até o momento sobre riscos que o Zika vírus apresenta para a gravidez e desenvolvimento fetal, garantindo a sua tomada de decisão sobre interrupção da gravidez.”

O texto relembra que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apelou publicamente – em fevereiro de 2016 – aos países latino-americanos para que garantissem o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva abrangentes, incluindo ampliação dos serviços de planejamento familiar e a revisão de legislações para facilitar a interrupção legal da gestação.

As organizações feministas apontam que as diretrizes do Ministério “deveriam fornecer toda a informação necessária aos profissionais de serviços de saúde a fim de ajudar a reduzir os riscos e danos associados para a saúde das mulheres grávidas, incluindo a saúde física e a saúde mental. Como a OMS alerta, as mulheres que desejam interromper uma gravidez devem receber informações precisas sobre as opções disponíveis permitidas pela lei, incluindo a redução de danos quando o cuidado desejado não estiver prontamente disponível”.

Entre as requisições práticas das organizações de mulheres está a inclusão da variável raça/cor nos formulários de notificação dos casos de infecção por vírus zika e microcefalia e/ou outras alterações no Sistema Nervoso Central (SNC) e a garantia de que as equipes de saúde irão orientar as mulheres a solicitar autorização judicial para a interrupção da gestação se assim decidirem.

Assinam a carta as seguintes pessoas e suas respectivas organizações: 

Beatriz Galli – Ipas

Jaqueline Pitanguy – CEPIA

Vera Baroni – AMNB – Articulação de Organizações Negras Brasileiras

Silvia Aloia – Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas

Sonia Correa – Observatório de Sexualidade e Política e Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

Luciana Brito – ANIS

Joluzia Batista – CFEMEA

Fátima Pacheco Jordão – Socióloga

Talita Rodrigues – Coletivo Mangueiras Jovens Feministas por Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Margarita Diaz – Reprolatina

Liliane Brum – REDEH

Sueli Valongueiro – Grupo Curumim

Télia Negrão – Coletivo Feminino Plural

Maria Luísa de Oliveira – Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil e Sempre Mulher – Instituto sobre Relações Raciais

Margareth Arilha – Comissão de Cidadania e Reprodução – CCR

Regina Soares Jurkewicz– Católicas pelo Direito de Decidir

Juliana Cesar – Gestos Jorge Lyra – Instituto Papai e Núcleo de Pesquisa sobre Gênero e Masculinidades – GEMA/UFPE

Leila Adesse – AADS – Ações Afirmativas em Direito e Saúde

Jacira Melo – Instituto Patrícia Galvão

Rúbia Abs da Cruz – CLADEM Brasil

 

Leia a íntegra da carta:

 

Rio de Janeiro 12 de agosto de 2016

Sra. Esther Albuquerque Coordenação Geral de Saúde da Mulher/DAPES/SAS/MS [email protected]

Sra. Thereza de Lamare Coordenação Geral de Saúde do Adolescente/DAPES/SAS/MS [email protected] [email protected]

As entidades que assinam abaixo, que atuam na promoção e defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, vem expressar perante o Ministério da Saúde sua profunda preocupação com a falta de políticas de saúde adequadas e eficazes que respondam a crise de saúde pública relacionada a epidemia do Zika vírus, particularmente aquelas políticas com foco na proteção e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e adolescentes brasileiras.

Em fevereiro de 2016, em resposta a epidemia do Zika virus, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apelou publicamente para os países latino-americanos para garantir o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva abrangentes, incluindo a ampliação dos serviços de planejamento reprodutivo e a revisão de legislações que criminalizam a interrupção legal da gestação. A OMS igualmente recomendou que “todas as mulheres , independentemente das suas escolhas individuais com relação a suas gravidezes, devem ser tratados com respeito e dignidade.”

Infelizmente, o Brasil, um dos países mais atingidos pela epidemia do vírus Zika, ainda não tratou adequadamente das restrições legais e as diversas barreiras que afetam o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, particularmente para as mais vulneráveis em função de sua condição sócio económica, raça, idade e local de moradia, aos métodos modernos e seguros de regulação da fecundidade. Tampouco tomou medidas para informar amplamente, através de campanhas públicas, as mulheres sobre os resultados de pesquisas até o momento sobre riscos que o vírus Zika apresenta para a gravidez e desenvolvimento fetal, garantindo a sua tomada de decisão informada sobre interrupção da gravidez em casos de risco a saúde a mulher, tendo em vista a emergencia de saúde pública objeto de alerta da Organização Mundial de Saúde que solicitou ação cooordenada e imediata tendo em vista os efeitos da síndrome congénita secundária do ZIka para a gravidez e o desenvolvimento fetal.

As diretrizes do Ministério da Saúde, apresentadas em reunião da Sala de Situação, no dia 13 de abril desse ano, priorizam as recomendações para a prestação de cuidados nos contextos de planejamento reprodutivo (chamado de aconselhamento pré-concepcional) por meio do acompanhamento pré-natal e do recém-nascido. Apesar de pretender acolher as gestantes com suspeita de Zika em “suas angústias, dúvidas e medo”, não garante os meios adequados para que elas possam exercer os seus direitos reprodutivos. Neste particular, não existe menção ao direito ao aborto legal e seguro, ao fato de que o aborto inseguro deve ser considerado um grave problema de saúde pública no Brasil e que os casos de aborto inseguro e morte materna evitável tendem a aumentar em um contexto de epidemia.

Abortos clandestinos e inseguros são uma infeliz realidade no Brasil e que afeta de maneira desproporcional as mulheres mais vulneráveis por motivo de idade, raça, local de moradia, grau de escolaridade e condição socio-economica. A cada ano, complicações em decorrência de abortos inseguros respondem por 250 mil atendimentos de emergência. D

essa forma, as diretrizes do Ministério deveriam fornecer toda a informação necessária aos profissionais de serviços de saúde a fim de ajudar a reduzir o estigma e os riscos e danos à saúde das mulheres grávidas que tenham contraído o vírus Zíka, visando a proteção da sua saúde física e mental. Como a OMS alerta, as mulheres que desejam interromper uma gravidez “devem receber informações precisas sobre as opções disponíveis permitidas pela lei, incluindo a redução de danos quando o cuidado desejado não estiver prontamente disponível” . O Protocolo deveria garantir a autonomia da mulher na tomada de decisões sobre a prevenção da gravidez indesejada. As mulheres que foram infectadas pelo Zika ou que estão vulneráveis à infecção têm direito a receber orientação de qualidade, assistência e informações para tomar decisões informadas. As mulheres devem ser orientadas, pelas equipes de saúde, a solicitar autorização judicial para a interrupção da gestação ou serem informadas sobre as políticas de proteção social a quem tem direito em caso de decidirem levar adiante a gravidez.

Consideramos fundamental a inclusão da variável raça/cor no formulário de notificação dos casos do vírus Zika para que se possa ter a dimensão da magnitude da epidemia e os seus impactos para a vida e a saúde as mulheres negras. Atualmente, milhares de mulheres brasileiras enfrentam enormes incertezas e sofrimento por causa da epidemia de Zika. A pesquisa recente do Instituto Patrícia Galvão sobre o olhar e a percepção das mulheres grávidas, em face da síndrome congênita do vírus Zika, aponta para a falta de assistência de qualidade, falta de informação adequada por parte dos profissionais de saúde durante a assistência pré-natal sobre os riscos associados a epidemia na gravidez e desenvolvimento fetal, o que gera angústia e ansiedade. A falha sistemática do Ministério da Saúde em garantir políticas de saúde integrais que reconheçam a autonomia das mulheres, reconhecendo as suas diversidades e as diferentes realidades diante da epidemia Zika viola direitos fundamentais das mulheres e adolescentes e demonstra o descumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado em matéria de direitos sexuais e reprodutivos.

 

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