(Exame, 31/03/2016) O descobrimento da estrutura do zika vírus, publicada nesta quinta-feira pela revista “Science” em um novo estudo, representa um passo fundamental para desenvolver futuros tratamentos e vacinas.
Por trás deste avanço estão os cientistas Richard Kuhn e Michael Rossmann, da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, que determinaram a estrutura do vírus da dengue em 2002 e a do vírus do Nilo Ocidental em 2003.
A pesquisa identifica regiões da estrutura do zika que são diferentes de outros vírus do mesmo gênero (flavivírus), como a dengue, o do Nilo Ocidental e a febre amarela.
As regiões da estrutura que são específicas do zika podem ser a chave para explicar as diferenças sobre como o vírus é transmitido e como a doença se manifesta.
“A estrutura do vírus oferece um mapa que mostra as regiões onde seria possível atacar o vírus com tratamento terapêutico, o que pode ser usado para criar uma vacina efetiva ou que pode melhorar a capacidade de diagnosticar o zika e de distinguir a infecção de outros vírus do mesmo gênero”, explicou Kuhn.
Ainda não existe tratamento ou vacina para o zika e é necessário melhorar seu diagnóstico, uma tarefa complicada porque na maioria das ocasiões não há sintomas ou, se há, são leves e similares aos de outros vírus do mesmo gênero.
“Determinar a estrutura melhora enormemente nossa compreensão do zika, um vírus sobre o qual se sabe muito pouco, e ilumina as áreas mais promissoras para continuar a investigar e combater a infecção”, sustentou Kuhn.
A estrutura do zika é, em geral, muito similar às de outros flavivírus, com o ácido ribonucleico (RNA) como único material genético e envolvido por uma membrana de gordura.
Essa forte similaridade com outros vírus do mesmo gênero, como a dengue e a febre amarela, não surpreendeu os cientistas e representa um motivo de esperança no sentido de poder aproveitar os avanços já existentes no desenvolvimento de vacinas, embora as “sutis diferenças” possam ser fundamentais.
“A maioria dos vírus não invade o sistema nervoso ou o feto em desenvolvimento pela barreira hematoencefálica (as células entre os vasos sanguíneos e o sistema nervoso central) e pela barreira da placenta, mas a associação com um desenvolvimento inadequado do cérebro no feto sugere que o zika invade”, apontou Devika Sirohi, uma das pesquisadoras.
“Não está claro como o zika tem acesso a essas células e as infecta, mas talvez essas áreas de diferença estrutural possam estar envolvidas. Essas áreas únicas talvez sejam cruciais e requerem mais pesquisa”, acrescentou.
A equipe de cientistas da Purdue determinou a estrutura do zika com criomicroscopia eletrônica, uma técnica muito utilizada em biologia estrutural e na qual a amostra é estudada a temperaturas muito baixas.
A resolução alcançada só costumava possível com a cristalografia de raios X, a técnica padrão desde 1950 para determinar a estrutura dos vírus, mas que requer uma grande quantidade do vírus nem sempre disponível.
“Essa técnica pode ser muito complicada, principalmente para vírus como o zika, com uma membrana de gordura e que não se organizam exatamente em um cristal. Além disso, demora muito. Agora fazemos o mesmo com microscopia de elétrons e vemos o vírus em um estado mais original. Algo impensável há alguns anos”, afirmou Rossmann.
Para realizar a pesquisa, a equipe da Purdue estudou o zika vírus isolado de um paciente infectado durante a epidemia na Polinésia Francesa.
O surto atual do zika na América, um vírus novo no continente, está cercado de perguntas que a ciência tenta responder em meio ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera uma emergência de saúde global.
A rápida expansão e as doenças associadas ao zika obrigaram os organismos e agências de saúde a reconhecerem o quanto ainda se desconhece sobre um vírus que foi descoberto em 1947 na floresta Zika de Uganda.
Cristina Garcia Casado, da EFE
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