(BBC Brasil, 08/06/2016) Artigos científicos e estudos para novos testes diagnósticos costumam levar meses para serem publicados devido ao minucioso processo de revisão por publicações científicas. Mas a epidemia de zika no Brasil e em outros países das Américas tem acelerado a produção de conhecimento sobre o tema.
Estudos sobre zika vêm sendo disponibilizados em sites científicos na forma de “pré-print” – como o artigo é chamado antes de passar por revisão – para que outros pesquisadores possam ter acesso mais ágil a seu conteúdo e eventuais achados, e trabalhar a partir deles.
“A literatura está avançando muito rapidamente. O momento é mais de cooperação do que de competição (na comunidade científica)”, disse Patrícia Garcez, pesquisadora da UFRJ e do Instituto D’Or, à BBC Brasil.
Sua equipe está conseguindo mapear a rapidez com a qual o vírus ataca as células embrionárias que formarão neurônios, e já está compartilhando os achados antes mesmo da publicação oficial.
Na noite de terça-feira, a revista científica The Lancet publicou um texto de pesquisadores brasileiros que documentaram pela primeira vez o caso de um bebê que não teve microcefalia, mas apresenta lesões neurológicas e oculares graves causadas pela zika.
“Existem outros sendo estudados, mas resolvemos divulgar de uma vez porque consideramos importante. Mostra que a extensão da doença é maior”, disse à BBC Brasil o oftalmologista Rubens Belfort Junior, da Unifesp, um dos responsáveis pelo estudo.
Saiba como estão evoluindo as principais pesquisas sobre o vírus da zika e a microcefalia:
1) Vacinas
Uma de duas vacinas para zika desenvolvida em uma parceria do Instituto Evandro Chagas com a Universidade do Texas, nos Estados Unidos, começará a ser testada em animais em novembro. Em fevereiro de 2017, ela deverá ser testada em humanos.
Segundo Pedro Vasconcelos, diretor do Evandro Chagas, a vacina foi desenvolvida introduzindo mutações no vírus da zika presente no Brasil. Dessa forma, ele perde a capacidade de causar a doença, mas não perde a capacidade de fomentar a criação de anticorpos no corpo humano.
“A proposta é fazer a vacinação de mulheres em idade fértil e não em gestantes, porque, como ocorre na rubéola, a vacina poderia induzir a malformação em bebês, mesmo sendo um vírus atenuado”, disse à BBC Brasil.
Ele afirma, no entanto, que devem ser necessários cinco ou seis anos para que a vacina esteja disponível para todos.
Há também uma segunda vacina em desenvolvimento, que poderia ser administrada em gestantes – que espera-se estar pronta para testes até o início do ano que vem. “Para esta vacina não usamos o vírus completo, apenas um pedaço do seu genoma. Por isso não há riscos para grávidas”, disse Vasconcelos.
2) Cloroquina
Paralelamente à corrida pela vacina, pesquisadores buscam formas de bloquear a ação do vírus, e um avanço importante foi obtido em testes com um velho conhecido da medicina – a cloroquina. O medicamento é usado para tratar malária e doenças autoimunes, como lúpus, e tem a vantagem de poder ser usado por mulheres grávidas.
De acordo com o médico Amílcar Tanuri, que coordena a pesquisa no Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ, o grupo constatou que a cloroquina e alguns derivados do medicamento conseguem bloquear a multiplicação do vírus da zika nas células neurais e a morte celular. Os testes foram feitos tanto em células neurais humanas quanto de camundongos.
“A cloroquina não atua diretamente no vírus, e sim na célula que vai ser infectada pelo vírus, e faz com que não possa ser penetrada. Basicamente ela fecha a porta de entrada do vírus, que não consegue entrar no citoplasma da célula”, disse à BBC Brasil.
Ele afirma, entretanto, que o trabalho “ainda está no campo do tubo de ensaio”, e que muitos testes ainda são necessários. Por isso, não arrisca falar em prazos. “Não temos tido muito aporte de verbas para nossos projetos pelo governo”, lamenta.
Os resultados da pesquisa devem sair em uma publicação científica nas próximas semanas. Tanuri espera que, a partir daí, grupos com mais recursos possam se interessar seguir com a pesquisa – “e continuar nosso trabalho lá fora”.
3) Testes rápidos
No final de maio, a Fundação Bahiafarma, órgão vinculado à Secretaria da Saúde da Bahia, anunciou a criação de um teste sorológico rápido para zika, que consegue detectar, no soro do sangue do paciente, os anticorpos contra o vírus em qualquer fase da doença. O resultado estaria disponível em 20 minutos.
Até agora, o diagnóstico é feito principalmente pelo exame PCR, que demora mais para dar resultado e só consegue detectar o vírus enquanto o paciente está doente. A sorologia para o vírus da zika só existia em alguns países e não estava disponível comercialmente.
Em nota, a Fundação disse que o teste já foi aprovado pela Anvisa e que terá reuniões com o Ministério da Saúde na próxima semana para negociar a produção em escala do teste.
Enquanto isso, pesquisadores do Instituto Wyss, da Universidade Harvard, nos EUA, criaram um teste de papel (similar ao de testes de gravidez) que, além de diagnosticar o vírus em uma hora, conseguiria diferenciar entre os tipos africano e asiático – este último, o que circula no Brasil.
Em entrevista à BBC Brasil, o pesquisador Keith Pardee, um dos responsáveis pelo protótipo, disse que o objetivo é deixar o teste do tamanho de um papel de recados, que caiba até no bolso e possa ser guardado mesmo sem refrigeração por até um ano.
“Ainda queremos fazer com que funcione também com amostras de urina e saliva”, disse. O Instituto, segundo Pardee, busca parcerias para financiar as novas fases de pesquisa e produção.
4) Como age o vírus?
“Minicérebros” desenvolvidos em laboratório com células-tronco vêm permitindo que uma equipe do Instituto D’Or, no Rio, acompanhe o ritmo e os mecanismos de destruição do zika. Ao injetar o vírus nas estruturas – que têm cerca de dois milímetros e equivalem à miniatura de um cérebro embrionário – o grupo constatou uma redução de até 40% do tamanho delas em apenas 10 dias.
“Conseguimos mapear o que o vírus faz dentro da célula e vimos que o ciclo celular fica absurdamente alterado”, diz a pesquisadora Patrícia Garcez, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.
“O vírus altera os genes específicos associados à formação de neurônios, que são muito importantes. Sem eles os neurônios não se formam. A maquinaria toda da célula começa a fabricar vírus”, diz.
A partir da compreensão de como o vírus atua e mata a célula, Garcez diz que é possível postular e testar potenciais tratamentos para inibi-lo. O estudo está sendo revisado para publicação em uma revista científica, mas já está disponível na internet para que outros pesquisadores possam incorporar as descobertas a suas pesquisas.
5) Transmissão por outros mosquitos
Embora desde o ano passado os principais esforços de combate ao alastramento da zika fossem focados no ataque ao Aedes aegypti, só em maio veio a confirmação científica de que o mosquito de fato carrega o vírus.
Pesquisadores da Fiocruz no Rio conseguiram, pela primeira vez, identificar a presença do vírus da zika em mosquitos presentes na natureza.
“Para combater o alvo certo, é preciso ter duas coisas combinadas”, explica Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC e líder do estudo. “A primeira é achar insetos na natureza infectados com o vírus; a segunda é constatar em laboratório que o mosquito é capaz de transmitir o vírus pela saliva.”
Mas até o início de julho, a bióloga Constância Ayres, da Fiocruz-Pernambuco, espera descobrir se o vírus da zika pode estar sendo transmitido também por outros mosquitos.
A equipe chefiada por Ayres já comprovou, em laboratório, que o mosquito Culex (pernilongo), mais comum do que o Aedes aegypti, pode ser um vetor da doença. Agora, irá analisar cerca de cinco mil destes mosquitos coletados na natureza para descobrir se eles estão carregando o vírus – e em proporção suficiente para infectarem humanos.
“A possibilidade de que isso esteja acontecendo é bem grande, até porque o perfil de distribuição da zika se assemelha ao de uma doença transmitida pelo Culex. Dengue é uma doença bem democrática, pega rico e pobre. Já nos casos de microcefalia, 85% dos casos são de mães mais pobres, associadas a áreas com esgoto a céu aberto”, disse à BBC Brasil.
“O vírus já foi identificado em muitas espécies de mosquito em um ambiente silvestre, em Senegal e Uganda. Porque no ambiente urbano só um tipo de mosquito transmitiria?”
Acesse o site de origem: Cinco apostas da ciência para combater zika e microcefalia (BBC Brasil, 08/06/2016)