(O Estado de S. Paulo) “Em quais situações específicas os antirretrovirais podem e devem ser usados para prevenir a infecção?”, perguntam os especialistas Caio Rosenthal, Mário Scheffer e Reinaldo de Oliveira. Para eles, “a decisão deve ser iluminada pela ciência e pela bioética, não havendo lugar para soluções moralistas ou seletivas”.
Caio Rosenthal é médico infectologista do Hospital do Servidor Público Estadual e do Emílio Ribas. Mário Scheffer é sanitarista, doutor em Ciências e presidente do Grupo Pela Vidda-SP. Reinaldo Ayer de Oliveira é médico e professor de Bioética da Faculdade de Medicina da USP.
Os autores escrevem a propósito da notícia de que o Ministério da Saúde está elaborando orientações para casais em que um dos parceiros ou ambos vivem com HIV e que desejam ter filhos: “trata-se de debate ético e científico da maior relevância”.
Segundo os especialistas, desde 2008 existe um consenso de que soropositivos tratados com antirretrovirais e que apresentam completa supressão viral podem não transmitir sexualmente o vírus HIV. Eles apontam, no entanto, a necessidade de orientação médica e que devem ser consideradas situações clínicas e imunológicas específicas , pois o risco, embora chegue próximo a zero, ainda existe.
“No Brasil, a essas incertezas acrescentam-se outros cenários: interrupções ocasionais no fornecimento dos medicamentos, problemas de adesão, efeitos adversos, doenças associadas e dificuldade de acesso a exame diagnóstico, contribuindo para que mais de 40% dos cidadãos com HIV recebam tardiamente o tratamento.”
Assim, os especialistas levantam a primeira discussão a ser feita: em quais situações específicas os antirretrovirais podem e devem ser usados para prevenir a infecção? No caso em foco, “a liberdade de ter filhos, além de sua dimensão afetiva, passa a ser o exercício da livre escolha e a manifestação da autonomia do casal. A conquista do tratamento da aids no Brasil, com mais de 200 mil pessoas recebendo medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cerca de 35 mil novos casos de aids por ano e a predominância da epidemia em uma faixa etária jovem da população apontam para uma demanda crescente de reprodução entre as pessoas com HIV. São homens e mulheres com direito à saúde reprodutiva mais segura e satisfatória, com capacidade de decidir sobre quando e como querem ter filhos”.
No país, cerca de 3 mil mulheres cientes de sua condição de soropositivas engravidam todos os anos, “mas nem elas nem seus parceiros têm acesso a procedimentos de reprodução assistida que reduzem o risco da transmissão do HIV”, especialmente a inseminação artificial e a lavagem de esperma. “Sem poder arcar com as despesas de um tratamento que na rede privada chega a preços exorbitantes, essas pessoas são barradas nas longas filas do SUS, que pouco oferece esses procedimentos também nas circunstâncias da infertilidade, independentemente da presença do HIV. Sob o risco da discriminação às avessas, o caminho não é criar atenção diferenciada para as pessoas com HIV, mas implantar serviços públicos de reprodução assistida que acolham todas as necessidades. O que se espera de uma sociedade democrática é igualdade de direitos essenciais, a começar pelo acesso livre e compartilhado do conhecimento.”
Leia o artigo na íntegra: Novos dilemas da aids, por Caio Rosenthal, Mário Scheffer e Reinaldo Ayer de Oliveira (O Estado de S. Paulo – 09/05/2010)