Dois ministros do STF defendem direito de transexuais usarem banheiro feminino

19 de novembro, 2015

(O Globo, 19/11/2015) O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quinta-feira um processo que questiona se transexuais podem usar o banheiro público designado para o gênero com o qual se identificam. O relator, ministro Luiz Roberto Barroso, votou pela proibição de qualquer tipo de preconceito contra transgêneros e pela garantia de que essas pessoas usem o banheiro referente ao gênero a que declaram pertencer. Barroso explicou que essa condição é inata – e, portanto, impedir essas pessoas de exercerem seus direitos é o mesmo que maltratar alguém por ser negro, judeu, mulher, índio ou gay. O ministro Edson Fachin concordou. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista, adiando a conclusão do julgamento para data indefinida.

— O padrão cultural heterossexual impõe às orientações sexuais e às identidades de gênero desviantes o rótulo de perversão. As pessoas transexuais convivem com o preconceito e a estigmatização. Elas são rotineiramente tratadas como inferiores. É papel de um tribunal restabelecer, na maior extensão possível, a igualdade a essas pessoas — declarou Barroso.

A discussão chegou ao STF no ano passado, por meio do recurso de André dos Santos Fialho, uma transexual que usa Ama Santos Fialho como nome social. Em 2008, ela foi ao banheiro feminino de um shopping em Florianópolis, mas não conseguiu usar o sanitário, porque seguranças do estabelecimento a retiraram de lá à força. Ama procurou outro banheiro dentro de lojas, mas não encontrou. Sem alternativa, não conseguiu segurar e fez suas necessidades na roupa. Para completar, ainda suja, precisou usar o transporte público para chegar em casa.

Ama entrou na Justiça e ganhou indenização no valor de R$ 15 mil pelo constrangimento sofrido. A defesa do shopping recorreu e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina declarou que o caso foi “mero dissabor”, derrubando a necessidade de pagamento de indenização à transexual. A defesa da Ama recorreu ao STF. Foi dada ao caso repercussão geral – ou seja, a decisão da corte precisará ser reproduzida por juízes de todo o país no julgamento de causas semelhantes. Existem no Brasil 778 processos desse tipo com o andamento paralisado, aguardando o pronunciamento do tribunal.

No recurso apresentado ao STF, a defesa alegou que houve desrespeito aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal. Barroso concordou e, em um voto em defesa das minorias, condenou qualquer tipo de preconceito contra transexuais – seja no uso do banheiro, seja na vida social como um todo. Ele lembrou, ainda que os transgêneros são “uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade”. E que o Brasil é líder mundial de violência contra essas pessoas.

— O transexualismo não é uma escolha; é um destino, é uma circunstância da vida. Ninguém escolhe se vai ser heterossexual, homossexual ou transgênero. Isso é um fato da natureza. Não respeitar essas pessoas é não respeitar a natureza e, para os que creem, é não respeitar a criação divina, porque essas pessoas são criadas como todas as outras — afirmou.

Barroso também declarou que tratar alguém conforme sua identidade de gênero não viola o direito fundamental de ninguém. Ele rebateu o argumento de que algumas mulheres poderiam não se sentir à vontade com a presença de uma transexual no banheiro. Para o ministro, esse desconforto é um argumento muito pequeno para derrubar o direito de alguém ser aceito socialmente como é.

— Eu às vezes estou em ambiente em que não me sinto à vontade com alguma presença, mas isso não me dá o direito de destratar, de negar a identidade de ninguém. A vida civilizada envolve conviver com quem a gente não ama e com quem nos causa desconforto, desde que essa pessoa não viole o direito fundamental de ninguém — alegou.

Barroso também disse que o Estado tem o dever de combater o preconceito e a intolerância, mesmo que não seja essa a vontade da maioria. Para ele, o STF tem o papel “iluminista” de fazer valer a razão materializada na Constituição.

— Cada pessoa nessa vida tem o direito de escolher sua própria moral, os valores com os quais quer viver. Mas o moralismo é uma coisa ruim, porque é querer impor os próprios valores aos outros, de uma maneira intolerante e autoritária, para quem ousa viver diferente de mim. Que coisa infeliz! — ponderou Barroso.

Fachin concordou com o relator e defendeu o aumento da indenização para R$ 50 mil, com correção monetária e juros de 1% ao mês a contar da data do episódio. Em seguida, Fux disse que ouviu populares sobre o assunto e percebeu que há “profundo desacordo moral na sociedade”. Segundo ele, há pessoas preocupadas com a vulnerabilidade de mulheres e meninas em banheiros, que correriam perigo se um heterossexual vestido de mulher entrasse no local para cometer crimes sexuais. O presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, manifestou a mesma preocupação.

Em resposta às considerações, Barroso ponderou que não se pode supor que uma pessoa tenha predisposição para usar o banheiro de maneira inadequada, escandalosa ou imprópria por ser transexual. E que qualquer abuso cometido deve ser punido, seja ele de autoria de transexual ou de heterossexual.

Antes de começar a votação, três advogados se manifestaram pelos direitos dos transexuais. Um deles, 19fez sustentação oral incisiva no sentido de que as pessoas têm o direito à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero. Na sessão desta quinta-feira, ele entrou para a história ao ser o primeiro advogado a se declarar homossexual na tribuna do STF.

Segundo Vecchiatti, pessoas como ele não minoria não apenas numérica, mas também no sentido de sofrer preconceito a toda hora. O advogado defendeu que os direitos dos gays, lésbicas e transgêneros sejam reconhecidos como um todo, porque não adiantaria ver tribunais dando eventuais “esmolas” a título de dano moral toda vez que uma injustiça acontece. Vecchiatti trabalha para a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Ele também defendeu a entidade no julgamento que autorizou uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, ocorrido no STF em 2011.

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, reforçou a posição do Ministério Público Federal a favor dos direitos de transexuais usarem o banheiro referente ao gênero com o qual se identifica. A defesa do shopping não compareceu ao STF para sustentar sua posição.

Carolina Brígido

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