(GGN, 16/09/2015) Em tempos de Projeto de Lei (PL) n. 6.583/13 (Estatuto da “Família”), PL n. 1.672/11 (Criação do Dia do Orgulho Heterossexual), PL n. 7.382/10 (penaliza discriminações contra heterossexuais) e outros que pretendem retroceder na temática do direito à diversidade sexual, mostra-se necessário reafirmar os limites – que os Estados possuem para interferirem na vida privada e familiar, principalmente quando motivadas por discriminações, positivas ou negativas, referentes à condição sexual das pessoas.
Não se discutirá, no presente, se há uma família gay ou se sua tipologia jurídica é constitucional. Afinal, o STF (ADPF 132 e ADI 4277), verdadeiro guardião da Constituição Federal, já reconheceu as uniões homoafetivas, com todas as extensões de direitos civis a elas inerentes, motivando, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça (Resolução n. 175/13) obrigar todos os cartórios extrajudiciais a realizarem o casamento gay. Realidade de forte importância histórica para o movimento LGBTI (lésbicas, gays, transexuais, transgêneros e interssexuais) e que não pode ser passível de retrocesso.
O reconhecimento do “sou gay” não é circunstância que deve ficar restrita aos lares, processo que ainda está longe de alcançar sua plenitude, tendo em vista inúmeros casos em que o desamparo e a discriminação são as adjetivações que circundam as histórias de gays. O reconhecimento deve ultrapassar as fronteiras privadas, para abarcar a própria ordem social e jurídica. Enquanto existirem embates, discursivos ou físicos, para a restrição ou não extensão de direitos à comunidade LGBTI, é sinal de que maior deve ser a resistência e a luta para a plenitude igualitária.
É fácil vislumbrar motivos que levam determinados grupos sociais preferirem a indiferença ou a remessa dos indivíduos para a penumbra dos locais excludentes em uma verdadeira cruzada para a ocultação da identidade do Outro. Trata-se da própria ausência de identificação com as diferenças. Não se reconhecer no Outro, quando este não é espelho ou não é um reflexo esperado, representa a negação das subjetividades. Afinal, toda a construção do sujeito repousa justamente no diálogo incessante que mantém com o Outro.
Mas, como nenhuma concretização no âmbito dos Direitos Humanos é automática, senão construída, é imperioso mencionar que o Estado tem o dever de reconhecer que a condição sexual, motivada pela diversidade afetiva, é circunstância inerente à dignidade do sujeito, merecedora de tutela e proteção. É preciso criar condições que permitam o reconhecimento do “sou gay”, independente de que espaço as pessoas ocupem, ou de opiniões contrárias, ainda que advindas de uma suposta maioria. Deixar de ser diferente para ser igual é esvaziar a própria ideia de igualdade .
A omissão do Estado na elaboração de políticas públicas e na regulação de matérias sensíveis fomentam, ainda mais, o alto teor de discriminação a que gays são forçadamente submetidos. O silêncio estatal não é só fonte de agressão direta, mas desencadeador de uma conflituosidade social que acaba por macular o direito à diferença. O que se discute não é somente a extensão de direitos, mas a própria aceitação do ser diferente e o irrefutável papel do Estado enquanto depositário e garantidor dos Direitos Humanos, dentre eles o inegável direito à diversidade.
No caso “Atala Riffo e crianças x Estado do Chile”’, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que “a extensão do direito à não discriminação por orientação sexual não se limita à condição de ser homossexual em si mesma, mas inclui sua expressão e as consequências necessárias no projeto de vida das pessoas”. Trata-se de importante decisão que reconheceu a responsabilidade internacional do Estado do Chile por ter utilizado a condição sexual (homoafetiva) da Sra. Atala Riffo para, em processo judicial, conceder a guardar dos filhos ao genitor, face ao fato de, após o divórcio, a Sra. Atala viver uma relação homoafetiva.
Entendeu a Corte Interamericana que a condição sexual não pode ser utilizada pelo Estado como elemento de discriminação, além de merecer a devida proteção e reconhecimento institucional. Por se tratar de decisão construída no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, poderá servir de paradigma futuro na absurda eventualidade do Brasil retroceder sobre o tema, ao invés de aperfeiçoá-lo.
Conforme restou evidenciado, inclusive da decisão mencionada, o reconhecimento do “sou gay” pelo Estado e pela sociedade é uma caminho inafastável, mas que depende da luta incessante da comunidade nacional e internacional favorável e entendedora da importância do tema. Resta ao futuro afirmar se será um processo natural ou, tal como no presente, íngreme e doloroso.
* Renan Teles C. De Carvalho é Procurador do Estado de São Paulo. Pós-graduando em Direito Internacional (PUC.SP). Membro do Olhares Humanos.
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