‘Quero tirar travestis do submundo’, diz 1ª gestora trans de ministério

22 de setembro, 2015

 (G1/Distrito Federal, 22/09/2015) Para sobreviver, muitas recorrem à prostituição, afirma Symmy Larrat. Ela chefia setor LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência

Desde julho à frente da coordenadoria-geral de Promoção dos Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a travesti Symmy Larrat afirma que trabalha para “tirar as pessoas trans das esquinas” e inseri-las no mercado de trabalho. Segundo a paraense, travestis e transexuais são relegados ao submundo e à prostituição porque são excluídos de escolas, ambientes profissionais e até do convívio familiar.

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Segundo ela, travestis e transexuais precisam esconder a verdadeira identidade para serem aceitas socialmente. Quando são integradas a um ambiente profissional, sofrem discriminação.

Symmy Larrat, coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (Foto: Isabella Formiga/G1)

Symmy Larrat, coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (Foto: Isabella Formiga/G1)

“Quando a pessoa trans consegue emprego em uma empresa, será que ela consegue se manter ali? Ou será que cinco mulheres vão reclamar que ela usa o banheiro feminino? Nesse momento, o empregador vai querer debater direitos humanos ou vai preferir excluir uma pessoa que está causando problema?”, questiona Symmy.

Para sobreviver, muitas recorrem à prostituição, afirma. “Qual o único lugar que vão te aceitar? Qual o lugar? A esquina. É o que te dá garantia”, diz. “É cruel. É muito cruel, mas é a prostituição que dá cidadania para a gente. É com a prostituição que se consegue pagar o aluguel, é com a prostituição que se compra carne e feijão, é com a prostituição que se compra um celular de última geração, é com a prostituição que se consegue comer no restaurante. A gente precisa ferir toda a nossa dignidade para ter a nossa cidadania.”

Symmy afirma que trabalha para que a prostituição não seja a única alternativa de trabalho para as pessoas trans, mas não pretende “higienizar as pessoas no seu direito de se prostituir”.

A coordenadora, que se assumiu como travesti aos 30 anos, afirma que, embora tenha chegado a um posto importante, é uma exceção. “Na época que me assumi trans, não consegui mais emprego. Será que mesmo eu tendo chegado até aqui, quando eu sair e for fazer uma entrevista de emprego num McDonald’s da vida vou ser empregada? Ou será que vou ter que voltar para a prostituição? Esse é um questionamento que a gente tem que fazer.”

Symmy não tem vergonha dos dois anos em que trabalhou como prostituta. Ela afirma que a experiência a tornou uma líder melhor. “Hoje sou uma militante de direitos humanos por conta da prostituição. Hoje sei por que estou aqui, o que preciso fazer, que respostas preciso dar.”

Vida

Como a maior parte das travestis e transexuais, Symmy sabia que era diferente dos amigos desde cedo. Queria colecionar papéis de carta, vestir bonecas e usar saias. Por isso, se trancava no quarto para brincar escondida.

“Quando criança, tinha um LP do Balão Mágico e lembro que deitava e imaginava que namorava o Mike [cantor da banda]. Trancava a porta para poder ficar assim [com o rosto colado no LP]. Mas já identificava que aquilo seria considerado errado pelas pessoas”, afirma. “Dentro de casa, sozinha no meu quarto, eu podia ser quem eu era. Com os outros eu não podia ser. E isso me doía muito.”

Aos 15 anos, já entendia como gostaria de ser. “Tinha uma revista da Roberta Close que eu guardava. Quando a Gretchen ou a Elba Ramalho apareciam na TV, mamãe me chamava porque ela sabia que eu era louca pelas duas. Ela pensava, ‘meu filho quer ver a mulher’, mas no meu íntimo eu estava olhando para espelhos do que eu queria ser”, diz.

Um ano depois, Symmy se assumiu como homossexual para a mãe e acabou saindo de casa. Foi morar com um tio. “Comecei a andar com um grupo de homossexuais, ia para boate. Sabia que gostava de homem. Mas mesmo no meu núcleo de amigos gays, não revelava a minha intenção de assumir outra identidade de gênero. Naquele mundo, quem era travesti ia direto para a prostituição, para aquele submundo. Tinha medo porque vim de uma familia católica apostólica romana e tinha pavor daquele mundo, tinha pânico daquela vivência.”

Anos mais tarde, Symmy se formou em publicidade, mas atuou pouco tempo na área. Ainda vestida com roupas masculinas, sofria tendo que anular a verdadeira identidade durante o dia. Pelas noites, trabalhava como transformista.

“Não queria ter que conseguir um emprego para me vestir de terno e gravata”, diz. “Vivia uma vida de dia e outra de noite. Comecei a me afastar de todo mundo. Não queria procurar trabalho, estudar, só queria viver a noite, fazer show em boate, porque ali eu poderia viver como eu queria”, afirmou.

Durante o período, a única motivação que encontrou para deixar a casa pelas manhãs foi a militância LGBT. Trabavalhava como voluntária em um centro de referência. “Militava porque ali me encontrava”, diz.

Infeliz com a vida que levava, ela decidiu que não era tarde demais para se assumir como queria. “No momento que decidi, chamei minha mãe. Quando tive o aval dela e que ela percebeu que meu desgaste e minha tortura não davam mais para levar a vida, ela disse: ‘Vamos lá. Estamos juntas’”, lembra.

Assim que resolveu iniciar a transição para mulher, Symmy começou a tomar hormônios femininos. Sem acompanhamento médico ou informações sobre o tratamento, precisou ser hospitalizada. Ela também começou a deixar o cabelo crescer. A primeira vez que saiu na rua vestida como mulher, se sentiu completa.

“Coloquei uma calça, peguei uma blusa e cortei. Joguei meu cabelo, que já estava grandinho, botei uma faixa, passei um lápis no olho e fui para a rua. Me senti a melhor pessoa do mundo. Não interessa o que as pessoas que estavam olhando para mim estavam pensando. Estava me achando maravilhosa. Ali foi a primeira vez que eu fui eu mesma na vida”, diz.

Symmy conta que a vida dela mudou ao se aceitar e intensificou a partir daí a militância LGBT. O trabalho dela no conselho estadual LGBT do Pará começou a chamar a atenção. “Conseguimos construir a carteira trans, o decreto de nome social. Essa minha vivência política despertou os olhos [de militantes da área] e me trouxeram para cá. Era assistente de coordenação, fui para a prefeitura de São Paulo e retornei como coordenadora-geral”, diz.

“Comecei a viver depois disso. Hoje tenho vontade de mostrar um bom trabalho. Antigamente, não. Hoje quero fazer porque sou a pessoa que quero ser. Consegui ser essa pessoa. Faz toda a diferença na minha vida.”

Projetos

Symmy diz lutar para que um projeto de identidade de gênero seja aprovado no Congresso. “A lei te dá o direito de exercer a identidade de gênero. Ela garante a você uma hormonização acompanhada na saúde, ela diz que você pode mudar seu nome ao chegar no cartório”, diz. Com a onda de conservadorismo no Congresso, ela não acredita que o projeto seja aprovado tão cedo.

“Isso é de uma hipocrisia sem tamanho. É querer que a pessoa esteja em uma esquina para me aproveitar de você, mas você tem que estar ali, não tem o direito de conviver comigo.”
A coordenadora ainda leva o nome “Marcelo” na identidade. Ela afirma ser um ato político exibir o documento com o nome masculino que carregou a vida inteira. “Não tenho nenhum problema de o meu RG estar com o sexo masculino. O que quero é me identificar no meu gênero feminino, que quero ter o direito de exercer”, diz.

Para Symmy, independentemente das roupas ou do gênero com o qual uma pessoa se identifica, ninguém sonha em se prostituir. “Se você perguntar a alguém que está na esquina o que ela que ser, ela não vai dizer prostituta. Nenhuma delas”, afirma. “Nossos sonhos são iguais aos de todo mundo.”

Isabella Formiga

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