(UOL, 20/01/2016) Estudando sozinha, a travesti Amanda Palha, 28, conseguiu o 1º lugar do curso de Serviço Social da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), ao ser classificada na primeira chamada do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), na última segunda-feira (18). Militante das causas LGBT em São Paulo, Palha afirmou que escolheu Recife (PE) para morar porque poderá continuar atuando.
Ela disse que está pronta para encarar os desafios na universidade e destacou que a comemoração não deve ser pelo ingresso na universidade, pois é um resultado isolado. Para ela, a comemoração ocorrerá com a mudança dos profissionais ao compreenderem melhor as travestis e saberem conviver sem preconceitos.
“Fiz o Enem há uns anos, mas não cheguei a concorrer no Sisu, porque ainda nem existia. No ano passado, achei que tinha ido bem nas provas e estava bastante confiante com a aprovação porque apostei numa mudança na minha vida, vou sair de São Paulo para morar em Recife. Mas, o primeiro lugar foi uma surpresa porque eu não tive condições de pagar cursinho, como geralmente ocorre com as pessoas que tiram notas boas”, disse Palha, afirmando que não tinha rotina de estudos em casa.
Em 2014, ela chegou a assistir aulas em um cursinho popular em São Paulo, mas não deu prosseguimento pela dificuldade em conciliar o trabalho. No ano passado, Palha passou o tempo que tinha livre estudando em casa com apostilas doadas por amigos. Ela fez o ensino médio em escola particular, mas o ingresso na universidade foi postergado porque foi obrigada a trabalhar muito cedo para se sustentar.
“Atribuo o resultado à minha atuação política, a toda parte de estudo envolvida para atuar porque me formei politicamente num grupo que sabemos que não basta só militar, é preciso estudar. Boa parte da prova de história veio dessa formação e também o embasamento para a redação”, contou a travesti. Palha obteve nota 960 na redação. Ela destacou que o segredo para um bom texto é saber argumentar e dispor as ideias em forma de texto que seja compreensível.
A escolha pelo curso de serviço social foi influenciada por um emprego que a travesti conseguiu na área social, onde auxiliava na ajuda a pessoas em situação de risco. Em 2015, Palha focou nos estudos em casa e, ao mesmo tempo, observou que teria de mudar de cidade para cursar serviço social em universidade pública, pois na capital paulista não tem o curso gratuito. A cidade mais próxima seria Santos e, como ela não tem vínculos lá, escolheu Recife.
“A prioridade da minha vida é a militância política. Isso é decisório nas escolhas que faço. Fora a luta partidária, atuo na questão LGBT. Como a maioria dos espaços que não estamos presentes, a gente quando chega encontra preconceitos e resistência. A discriminação existe em qualquer lugar e estou preparada para enfrentá-la na universidade. A vantagem de entrar na universidade com mais idade é que já vamos com mecanismos de autodefesa”, destacou.
Palha já faz planos para atuar no ambiente acadêmico. Ela pretende, ao concluir a graduação, ingressar no mestrado e, depois, no doutorado. Para ela, o estudo de gênero com questões de transexualidades e travestilidade ainda é carente nas universidades.
“Temos de usar esse espaço para produzir conhecimento para nossa luta e criar ferramentas no espaço acadêmico para ajudar a formar profissionais responsáveis, principalmente na área social. A representatividade quando aparece, aparenta que o mundo está mudando, mas ainda temos muita luta pela frente. Precisamos produzir conteúdo pensando nos transexuais, que geralmente é parte da população da rua. Para isso, os profissionais de assistência social devem estar preparados”, ressaltou Palha.
Aliny Gama
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