(Folha de S. Paulo, 05/11/2015) Como parte da campanha #AgoraÉQueSãoElas, optei por ceder este espaço a vozes femininas muito menos ouvidas do que a minha. Para representá-las, convidei a travesti, feminista e ativista de direitos humanos Symmy Larrat, 37, coordenadora de Promoção dos Direitos de LGBT da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
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“Não há, em nenhum país, dados censitários sobre a população de mulheres lésbicas e trans (aqui me refiro a transexuais e travestis). No Brasil, o censo do IBGE não indaga nem sobre identidade de gênero nem sobre orientação sexual. Apenas em caso de relação homoafetiva, que registrou 60.002 casais do mesmo sexo coabitando no país –número que indica forte subnotificação.
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A prática de ignorar o nome social de trans é recorrente nos órgãos públicos e privados –em que pese a existência de portarias e normativas que estabelecem o respeito ao nome social em diferentes esferas, os governos ainda recebem denúncias do não uso desse serviço.
Também são crescentes as denúncias de práticas de estupro corretivo contra lésbicas, uma prática criminosa em que homens estupram mulheres lésbicas como forma de supostamente curá-las de sua orientação sexual.
Por outro lado, é inegável o pioneirismo do país em políticas de promoção de direitos –como a inclusão do processo transexualizador no SUS e as jurisprudências avançadas no que diz respeito à retificação de registro.
No que tange ao enfrentamento à violência, o Disque Direitos Humanos recebe denúncias específicas de violações contra a população LGBT. Em 2014, foram registradas 1.013 denúncias. Cerca de 20% desse total é de mulheres trans, e apenas 9,30% são mulheres lésbicas.
O incômodo das famílias em conviver com uma adolescente trans é imenso. Muitas famílias não aceitam o fato de alguém nascer com um sexo e se identificar com o gênero e/ou sexo oposto ao designado no nascimento. Daí a expulsão dessa pessoa do convívio familiar ou sua manutenção a partir de um processo de tortura e negação da sua identidade de gênero. Resultado: rua/prostituição, afastamento da escola e, assim, do mercado formal de trabalho.
Um pouco diferente, mas não tão cruel, ocorre com mulheres lésbicas, que, como são entendidas pela maioria como “mulheres de verdade”, são mantidas na família para exercer seu “papel de mulher: o de procriar. É comum vermos mulheres que se assumiram lésbicas após terem filhos numa relação heteronormativa. O patriarcado torna invisíveis essas mulheres, cujas especificidades são ignoradas na escola, na saúde e no mercado de trabalho.
Boas iniciativas para mudar essa realidade partiram do Conselho Nacional de Combate a Discriminação LGBT, que em 2015 aprovou as seguintes resoluções:
1) Resolução n° 11, de 18 de dezembro de 2014, que estabelece parâmetros para a inclusão dos itens “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais no Brasil; e
2) Resolução n° 13, de 16 de janeiro de 2015, que estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas trans –e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais– nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização.”
Acesse o PDF: Agora É Que São Elas, por Symmy Larrat (Folha de S. Paulo, 05/11/2015)