O caso de assédio cometido por José Mayer só teve um desfecho efetivo após funcionárias da Globo manifestarem-se nas redes sociais e nos estúdios da emissora. Para Mario Rocha, diretor comercial da Omnia Safe Consultoria, a mobilização de mulheres pressionando a chefia é o caminho ideal quando o assédio acontece em qualquer empresa.
(Estilo/UOL, 05/04/2017 – Acesse no site de origem)
“Esse tipo de movimento é importante. Os homens já são muito unidos, há uma cumplicidade em diferentes circunstâncias. Nas mulheres isso ainda é visto com menos frequência. Mas a partir de uma vítima que denuncia e se revolta, as outras todas confirmam. Já presenciei casos de profissionais sendo demitidos após essas denúncias virem à tona. As empresas hoje estão dando muito mais importância a isso”, acredita o profissional.
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Para a antropóloga e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Caroline Freitas, a atitude da figurinista de trazer o caso a público foi fundamental. “Su Tonani foi muito corajosa e é a personagem principal de um grande marco. Com certeza não é a primeira vez que um caso de assédio sexual acontece nos bastidores de uma emissora, mas só agora tomou essa proporção e reuniu atrizes do alto escalão da Globo para fazer pressão na cúpula da empresa”.
Vítima de assédio em empresa teme ter a carreira destruída
Rocha, que trabalhou por 20 anos em empresas de grande porte, conta que o mais comum é a funcionária só denunciar após sair da empresa em que trabalha, por medo de sofrer represálias. “Normalmente em empresas machistas — e existem várias — as posições de liderança são de homens. Então, ela vai reclamar para quem? Isso acaba, por outro lado, dando um pontapé em uma indústria do assédio. Mas as barreiras têm sido quebradas ao longo do tempo”, afirma.
Luanna Tomaz, doutora em Direito e coordenadora da Clínica de Atenção à Violência da Universidade Federal do Pará, ressalta que nem sempre as denúncias são levadas adiante pelas empresas. “Muitas vezes, se você denuncia é vista como chata e acaba tendo
represálias no ambiente de trabalho. E a conduta do agressor é sempre vista como uma brincadeira. Há toda uma sociedade que acredita que esse tipo de comportamento é um comportamento razoável. As pessoas ainda têm muita dificuldade de compreender o
que é assédio sexual”.
A antropóloga Caroline também levanta a questão das punições a quem já é vítima. “A vítima de assédio sexual, que quase nunca tem uma prova de que o crime aconteceu, teme ter sua carreira destruída se enfrentar o assediador, que pode ser o chefe direto ou
até o presidente da companhia”.
Empresas tentam desacreditar a vítima
O machismo ainda é muito presente no mundo corporativo e há uma tentativa de desacreditar o depoimento da vítima, diz Mario Rocha. “Muito do que eu escutei ao longo da carreira é que se há o assédio é porque há a provocação do outro lado. Acabam
invertendo os papéis”.
Fabíola Marques, advogada trabalhista e conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, afirma que muitas vezes a empresa dificulta o testemunho de funcionários que presenciaram o assédio e, sem provas materiais, acaba sendo a palavra da vítima contra o agressor. “Em quem se vai acreditar? No ídolo ou na funcionária desconhecida?”, questiona Fabíola.
Para Fabíola, a Globo também tem culpa no caso. “A empresa é responsável pelo que José Mayer fez, porque tem de garantir um ambiente seguro, que garanta a dignidade de quem trabalha lá”.
Como denunciar e combater o assédio?
“Esse tipo de assédio acontece nos mais diversos espaços, até em escolas e universidades, e as mulheres encontram muita dificuldade de denunciar e de ver a apuração disso. As empresas têm que assumir compromissos de combate ao assédio. Campanhas dentro do ambiente de trabalho, manuais de orientação, pessoas responsáveis, ouvidorias que cuidem disso”, acredita a doutora em Direito Luanna Tomaz.
Segundo Fabíola Marques, as grandes empresas normalmente têm canais para denúncias dessa natureza. Mas, quando não têm, o funcionário pode procurar uma delegacia, o Ministério do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho ou o sindicato da categoria para
registrar a ocorrência.
De acordo com Luanna, a solução para diminuir o número de abusos envolve denunciar esse tipo de prática e também conscientizar as pessoas.
“Um dos aspectos fundamentais é trabalhar a prevenção, com uma educação que repense as questões de gênero. Há convenções internacionais abordando debate de gênero nas escolas. Mas, no Brasil, temos visto leis estaduais e municipais que impedem hoje
que o professor discuta isso na sala de aula. É um absurdo. É justamente através desse debate que as pessoas compreendem as relações na nossa sociedade entre homem e mulher e de que forma elas podem ocorrer de maneira mais igualitária, com mais
respeito”, declara Luanna.
Denise de Almeida e Adriana Nogueira