(Folha de S.Paulo) Colocada por um momento em segundo plano, dado o encantamento geral com a simpatia do papa Francisco, a grave questão do escândalo de pedofilia na Igreja Católica volta a chamar as atenções.
Um severo relatório da ONU acusa o Vaticano de “adotar sistematicamente” práticas que permitiram o abuso sexual de milhares de crianças. Exige imediato afastamento dos suspeitos e máxima transparência com os dossiês da Santa Sé. Vai além, criticando atitudes da igreja em relação a aborto, contraceptivos e homossexuais.
Este último aspecto do documento, a rigor alheio aos seus objetivos centrais, serviu para que os porta-vozes do Vaticano tomassem a ofensiva. Afirmaram, por exemplo, que nesse ponto o relatório agride a liberdade religiosa e representa uma tentativa de interferir no ensinamento católico.
Não seria de esperar, naturalmente, alguma flexibilidade da Igreja Católica nesses temas de doutrina, mas sua resposta à ONU não revela um espírito desarmado.
Negando as acusações de acobertamento, representantes da Santa Sé lembram que foi instalado, por ordem de Francisco, um comitê para combater a pedofilia. A legislação interna do Vaticano recentemente passou a tipificar com mais clareza os crimes que envolvem abuso sexual de menores.
Tais réplicas da igreja não bastam para apaziguar seus críticos. Estes lembram, entre outros, o caso do arcebispo polonês Josef Wesolowski, acusado de pagar garotos de programa na República Dominicana. Autoridades católicas investigam o caso, mas recusam-se a entregá-lo à polícia polonesa.
Somente em 2010 –bem depois dos primeiros escândalos terem surgido– o Vaticano adotou prática segundo a qual os crimes sexuais dos padres devem ser denunciados às autoridades do país em que foram cometidos. Mas há quem argumente, em defesa da igreja, que isso adiantaria pouco onde a pedofilia não é criminalizada.
Isso à parte, fica a impressão de que, a despeito de progressos recentes, o Vaticano reage com lentidão burocrática e certa sobranceria ao ser confrontado pelas indignações do mundo laico.
Obviamente, a pedofilia inspira tanta –ou maior– repulsa nas pessoas de fé quanto na opinião secular. O estado de ânimo dos principais envolvidos na polêmica não reflete, todavia, esse consenso.
Acesse o PDF: Vaticano na berlinda (Folha de S.Paulo, 08/02/2014)