(Brasil de Fato/MG) “Os partidos políticos não investem em campanhas femininas, e a sociedade é sexista e não vota em mulher”, afirma Menicucci em entrevista ao Brasil de Fato
As brasileiras são mais escolarizadas e mais capacitadas do que os homens, mas continuam recebendo salários mais baixos. Além disso, enfrentam o desafio da atuação na política. É o que afirma a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência.“Os partidos políticos não investem em campanhas femininas, e a sociedade é sexista e não vota em mulher”, afirma.
Na semana do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, a ministra falou ao Brasil de Fato sobre as conquistas e desafios das brasileiras no último período. Eleonora Menicucci é mineira e há muito tempo atua na questão das mulheres, seja como militante feminista, seja como pesquisadora – ela é professora do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. Na década de 1970 foi presa pela Ditadura Militar. É ministra desde 2012.
Brasil de Fato – O que é possível comemorar no dia das mulheres?
Eleonora Menicucci – Conseguimos eleger a primeira mulher presidenta da República. Podemos comemorar o primeiro governo que teve dez ministras. Hoje nós somos oito, em cargos importantíssimos. Em terceiro, devemos comemorar que temos políticas absolutamente consolidadas, políticas de Estado, para a ampliação e consolidação dos direitos das mulheres. Temos as políticas de enfrentamento à violência. Conseguimos ampliar os direitos das trabalhadoras domésticas.
Apesar dessas ações, os últimos dados sobre violência contra a mulher mostram um aumento no número de mortes e de denúncias. Por que esses números continuam crescendo?
Há uma fronteira muito tênue entre dizer que os números estão aumentando e dizer que a violência está aumentando. Os números estão com visibilidade, mais divulgados. Parece que está aumentando muito a violência. A violência está aumentando, sim. Mas a divulgação dos números e a denúncia das mulheres também estão muito maiores, porque estão acreditando mais que a sociedade e o Estado estão do lado delas.
Mas por que continuam sendo assassinadas?
O que acontece quando elas são assassinadas é que algum serviço que elas procuraram não deu credibilidade à denúncia. Aí elas aparecem mortas. Eu chamo a atenção para a morosidade da expedição das medidas protetivas por parte do Judiciário. Enquanto continuarem morosas, isso estará marcando a morte da mulher. Por outro lado, com as tornozeleiras eletrônicas e o botão do pânico nós temos conseguido prender muito mais agressores. Agora, nós vivemos num país ainda muito patriarcal, sexista, e a sociedade tem que romper comisso. Não é só o poder público que precisa romper.
Outra questão importante para as mulheres é a participação na política, que ainda é muito menor que a dos homens. Por que isso permanece?
É gravíssimo. Nós somos 51% da população e somos mães da outra metade. Somos protagonistas das nossas próprias vidas, das nossas próprias escolhas e temos certeza de que nós podemos e sabemos fazer. Sabemos fazer no mundo do trabalho, da educação, da pesquisados movimentos sociais e no mundo da política. O nó está em dois lugares. Nos partidos políticos, que não respeitam as cotas e não investem recursos para as campanhas femininas, e na sociedade, que não vota em mulher. Isso é ruim. Tem impacto na definição das políticas, nas votações, no leque de reivindicação das mulheres. Um outro problema que permanece é a disparidade de salários entre homens e mulheres. As mulheres ganham 70% do que ganham os homens. Nós estamos com as nossas políticas de autonomia econômica incentivando a capacitação das mulheres. Porque elas são mais escolarizadas, mais capacitadas, mas elas ocupam cargosmais baixos. Elas não ascendem na carreira. Trabalho igual e salário igual não existe no Brasil. E nós temosque combater essa discriminação salarial, temos que incentivaras mulheres empreendedoras.
Quais as ações do governo para a questão da prostituição?
Temos uma ação muito forte no combate ao tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. No ano passado desbaratamos duas quadrilhas na Espanha. Uma das chefes da quadrilha de tráfico era brasileira e havia várias brasileiras menores de idade confinadas lá. Desbaratamos também duas quadrilhas do Norte do país, que traficavam meninas do Sul. Também temos parcerias com o Ministério daSaúde com ações que englobam a saúde integral da mulher em todas as áreas, não existe preconceito.
Existe uma preocupação maior com esse assunto com a aproximação da Copa?
Sim, soltamos uma grande nota por causa daquela camiseta quea Adidas lançou, que induzia ao turismo sexual no Brasil. A camiseta tinha escrito em inglês “Faremos um gol”, ao lado de uma mulher bem provocativa. Eles estavam querendo fazer o gol do turismo sexual. Não aceito em hipótese alguma que nenhuma empresa ou ninguém faça uma ilação com a Copado Mundo e o turismo sexual. Receberemos muito bem os turistas, mas não admitiremos turismo sexual. E exigirei da Adidas uma reparação. Não é só retirar a camisetado ar. Eu não admito, a presidenta não admite, o governo como um todo é tolerância zero com o turismo sexual.
A morte de mulheres em decorrência de abortos clandestinos ainda é uma realidade triste. Como a senhora encara a discussão sobre a legalização do aborto?
Essa discussão envolve o parlamento e a sociedade, sobretudo. Ela não envolve o Executivo num primeiro momento. Eu aceito a diretriz do governo que é a de não mexermos na legislação. Nossa preocupação é com os abortos previstos em lei. Os último dados do Ministério da Saúde mostram que as causas da mortalidade materna são hipertensão gestacional, hemorragia, infecção, doenças do aparelho respiratório e o aborto. O aborto, que era a terceira causa, caiu para a quinta. De 1990 a 2011, nós tivemos uma queda de 55,3% na morte materna. A morte materna é uma preocupação e o governo tem responsabilidade em relação a isso.
Acesse o PDF: ‘Não admitiremos turismo sexual na Copa do Mundo’ (Brasil de Fato/MG, 08/03/2014)