(CFEMEA, 08/03/2016) No 8 de março, está sendo lançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres, no Congresso Nacional. Como militantes do movimento feminista e de mulheres, acreditamos que esse é um bom sinal, no meio do caos gerado pela crise política. Era urgente e imprescindível reunir no Parlamento um conjunto de deputad@s e senador@s compromissados com a defesa dos direitos das mulheres, dispostos a somarem-se aos nossos esforços (dos movimentos de mulheres e feminista) e de toda aquela parcela da sociedade que é atuante, está ativamente compromissada com as lutas igualitárias, emancipatórias, por justiça de gênero, contra o racismo, o etnocentrismo e todas as formas de exploração.
Desde 2015, a crise política veio se agudizando. Ao invés da democratização, a concentração do poder. A despeito das grandes mobilizações que os movimentos de mulheres e feminista realizaram no ano passado, milhares de mulheres na Marcha das Margaridas, milhares de mulheres na Marcha das Mulheres Negras, milhares de mulheres do Oiapoque ao Chuí fazendo a Primavera Feminista acontecer em centenas de cidades e em todas as redes sociais, dizendo Fora Cunha contra o PL 5069; … apesar disso tudo, grande parte dos projetos que ganharam celeridade, aos quais a Câmara conferiu prioridade, quase todos os que avançaram na sua tramitação implicavam retrocessos aos direitos das mulheres. Raros foram os momentos em que pudemos celebrar, por exemplo, a aprovação da Lei contra o Feminicídio e PEC das domésticas (com ressalvas).
Em 2015, tudo o que conseguimos instalar no Poder Público para afirmar os direitos sexuais e direitos reprodutivos, a liberdade sexual e a autodeterminação reprodutiva das mulheres; para enfrentar a criminalização das mulheres e lutar pela legalização do aborto, para enfrentar a exploração e valorizar o trabalho das mulheres esteve em risco;
A guerra antidireitos tomou conta da arena política nesses confrontos e em outros, também de alta relevância, como o sucedido em relação à redução da maioridade penal, a reforma política, o ajuste fiscal, a lei antiterrorismo, a questão das terras indígenas.
As decisões de Parlamento não respeitaram, nem protegeram, nem afirmaram os direitos das mulheres.
Hoje e em todo esse mês de março, os movimentos de mulheres e feminista estão nas comunidades, nas escolas, nas organizações da cidadania, nas expressões artivistas, nas redes sociais, em toda parte, discutindo, debatendo, se organizando, mobilizando a resistência contra a ofensiva conservadora, antidireitos e fundamentalista.
Nesse 8 de março, como feministas e militantes dos movimentos de mulheres chamamos a sociedade a estar conosco para combater o fundamentalismo religioso e defender a laicidade do Estado. Para lutar por liberdade sexual e autodeterminação reprodutiva, pela seguridade social pública e universal, pela participação paritária das mulheres nos espaços de poder e decisão, para combater a divisão sexual do trabalho e a exploração do trabalho não remunerado das mulheres, para ser vigilante em relação ao cumprimento dos direitos das trabalhadoras domésticas, para proteger os direitos das mulheres indígenas, enfrentamento ao racismo patriarcal, denunciar e não permitir que fique impune qualquer forma de violência contra as mulheres.
Nesse momento tão agudo da crise política, queremos ser parte de uma grande convergência, forte e incisiva para democratizar a democracia com a participação das mulheres. No Dia Internacional da Mulher afirmamos nosso compromisso, nossa mobilização é contra a direita, em defesa dos nossos direitos!
Da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres, que vem a público nesse dia tão importante, esperamos apoio à luta feminista por igualdade, direitos, justiça e liberdade, diálogo com os movimentos sociais, escuta às nossas denúncias e apoio às nossas reivindicações, concertação para resistir contra o machismo, o conservadorismo, a misoginia, a homo-lesbo-transfobia, o racismo patriarcal e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres. Nossa expectativa parte da convicção que o maior alimento para a ofensiva conservadora e antidireitos é a exclusão das mulheres de todos os espaços de poder e decisão.
Esperamos da Frente Parlamentar em defesa dos Direitos Humanos das Mulheres que sustentem aqui no Congresso Nacional as nossas demandas frente à epidemia do Zika, assegurando as diretrizes políticas e os recursos públicos necessários à adoção das medidas estruturais em termos de saneamento básico, saúde integral das mulheres, saúde sexual e reprodutiva e proteção social. Somos 65% das pessoas atingidas pela epidemia. Sobre os nossos ombros recaem a responsabilidade de cuidar das pessoas (bebês, crianças e adultos) atingidas pela síndrome congênita do Zika, e os riscos ainda maiores da decisão de levar ou não adiante a gravidezes nesse contexto de precarização da atenção à saúde, baixíssima proteção social conferida pelo Benefício de Prestacao Continuada e ilegalidade do aborto.
Esperamos da Frente Parlamentar que aprove o projeto de lei do Estatuto das Famílias, da senadora Lídice da Mata, reconhecendo e assegurando proteção às famílias em sua diversidade.
Esperamos da Frente Parlamentar uma proposta de descriminalização do aborto para responder à demanda da participação social expressa na Sugestão de Legislação Participativa nº 15/2015 respeitando os nossos direitos sexuais e reprodutivos.
Esperamos da Frente Parlamentar que rechace com veemência:
- o PL 5069/13, que está pronto para a ordem do dia na Câmara, de autoria do Deputado Eduardo Cunha. Se aprovado, esse projeto criminalizará quem instruir, orientar ou prestar auxílio relacionado ao abortamento, inclusive nos casos de violência sexual. As penas de prisão são agravadas se for funcionário público. O projeto pretende revogar lei sancionada em 2013, que orienta a atenção dos serviços públicos em caso de violência sexual, desde a perspectiva do direito à saúde e da saúde sexual e reprodutiva, assegurando às vítimas a informação sobre seus direitos e para as suas escolhas, incluindo a anticoncepção de emergência.
- o Estatuto da Família, de autoria do Deputado Anderson Ferreira (PR-PE) que nega reconhecimento e proteção social a todas as famílias, exceto aquelas constituídas por um casal heterossexual. O projeto esconde um jabuti antidireitos, afirmando que a vida começa na concepção. A matéria foi aprovada por Comissão Especial da Câmara e tem recurso de autoria dos Deputados Jean Wyllys (PSOL/RJ) e Érika Kokay (PT/DF) para apreciação do Plenário
- O PL 478/07 do Estatuto do Nascituro, que também está pronto para a ordem do dia na Câmara. Seu é atribuir direitos fundamentais ao embrião, criminalizando a interrupção da gestação em qualquer hipótese (inclusive nas que são legais atualmente: gravidez resultante de estupro, gestante em risco de vida, fetos anencéfalos) e proibindo o uso da anticoncepção de emergência. Confere ao embrião o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas. O projeto, ademais, propõe uma “bolsa” mensal de um salário mínimo para a mãe vítima de estupro que decidir levar a termo a gravidez, a chamada “bolsa estupro”.
- Que rejeitem qualquer proposta de Reforma Previdenciária orientada a restringir o direito universal à proteção social a um seguro individual, impedir ou reduzir as possibilidades de acesso das mulheres a proteção social, eliminar as medidas compensatórias da dupla jornada de trabalho executada pelas mulheres e manter o fator previdenciário. Nenhum direito a menos. As mulheres trabalham demais e têm direitos de menos!
Enfim, da Frente Parlamentar, para que faça sentido à luta das mulheres por igualdade, reivindicamos reconhecimento político dos nossos movimentos, bem como da agenda política que diz respeito à quase totalidade das mulheres excluída dos espaços de poder. Reivindicamos compromisso real e efetivo em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres.
Guacira Cesar de Oliveira é Socióloga, integrante do Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA)
Acesse no site de origem: 8 de março e a luta das mulheres em tempos de crise, por Guacira Cesar de Oliveira (CFEMEA, 08/03/2016)