(El País, 28/03/2015) Vista de longe, a fotografia repleta de pétalas convida à aproximação. Quando vista mais de perto, é possível notar que as flores estão prestes a se decompor e presas por alfinetes. Poesia e dor se misturam na obra Guerra na Paisagem do Lar, da caribenha Jamie Lee Loy, um dos destaques em uma exposição sobre violência de gênero que começa a correr mundo a partir do Brasil.
A mostra 1 em 3 – O que é Preciso para Você se Indignar? se baseia em um dado revoltante: uma em cada três mulheres em todo o mundo, ou cerca de 800 milhões, vão apanhar, serão forçadas a ter relações sexuais ou sofrer qualquer outra forma de abuso ao longo de suas vidas, de acordo com o levantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2012.
São agressões que machucam o corpo, mudam a forma de essas pessoas se relacionarem com o mundo e influenciam as 53 obras de arte em exposição no Senado até 30 de abril. Os trabalhos foram criados não só por mulheres que sofrem ou veem a violência no dia a dia, mas também por homens.
“Era importante ter artistas de ambos os gêneros para evitar algo comum em qualquer evento sobre o tema: focar somente na mulher e esquecer que o homem também é parte do problema e da solução”, avaliou Marina Galvani, curadora de arte do Banco Mundial, à frente da organização da mostra.
Ao todo, 30 artistas integram a exposição. Três delas são da América Latina e do Caribe: além de Jamie Lee, nascida em Trindade e Tobago, participam a colombiana Beatriz Mejía-Krumbein e a chilena Francisca Valenzuela.
Risco triplo
A maior parte das obras vem de lugares onde ser mulher, fazer arte e ainda por cima falar de violência de gênero representam um perigo muitas vezes fatal. Entre eles, Afeganistão, Iêmen, Irã e Paquistão, só para mencionar alguns.
Esse risco fez com que Galvani e sua equipe mudassem a forma de trabalhar: em vez de abrir um edital para convocar os artistas, fizeram pesquisas e entraram em contato diretamente com os criadores das obras. Todo o processo teve o apoio de ONGs, fundações e organismos internacionais, como a ONU Mulheres.
“Sabemos o quanto é comum os artistas serem ameaçados ou caírem no ostracismo em seus países por abordarem temas espinhosos”, comenta a curadora. Os assuntos a que ela se refere incluem as agressões cometidas por parceiros, o tráfico de seres humanos, os conflitos armados e os casamentos precoces.
São temas tratados de forma ora brutal – como no vestido de noiva ensanguentado feito por Hem Matsi, da Namíbia –, ora sutil, como nas flores alfinetadas da caribenha Jamie Lee. De um jeito ou de outro, são imagens angustiadas, poderosas, que de fato levam à indignação.
Depois do Brasil, a mostra seguirá para Senegal, Nigéria, França, Alemanha, Inglaterra, Bangladesh e Índia.
Mariana Keiper
Acesse no site de origem: 800 milhões de mulheres em 53 imagens indignantes (El País, 28/03/2015)