Pesquisa mostra que uso do espaço público é reduzido para mulheres na França

27 de agosto, 2014

(UOL Notícias, 27/08/2014) Teria a rua se tornado um universo masculino? Com seus comércios, seus bares, suas praças e suas quadras esportivas, o espaço público parece aberto e misto. No entanto, vários estudos e depoimentos mostram que a cidade continua sendo um lugar sexuado, onde as pessoas se cruzam, mas não têm a mesma liberdade de movimentação dependendo do sexo. E onde “muros invisíveis” são erguidos para barrar aqueles que tentam circular. Essa é uma realidade ainda mais significativa na periferia.

Segundo um estudo do Observatório Nacional de Zonas Urbanas Sensíveis (Onzus), mais de uma em cada três mulheres “se sente insegura” em seu bairro, contra uma em cada cinco mulheres nas regiões centrais das cidades. E, segundo a pesquisa anual sobre agressões realizada pelo Instituto de Planejamento e Urbanização de Île-de-France junto a 10.500 mulheres, o medo faz parte da experiência de 69% das mulheres da região, “pelo menos de vez em quando” durante a noite.

Ainda que as agressões não sejam mais frequentes ou numerosas na periferia, é ali que essa sensação está mais ancorada. “O assédio não é maior na periferia, mas o ‘efeito conjunto habitacional’ ali é patente. O controle social coletivo que é exercido na periferia é mais forte do que em outros lugares”, ressalta o geógrafo Yves Raibaud. Mas os sociólogos observam que o sentimento de insegurança provém muito das imposições sociais que as mulheres recebem –o lugar delas não é na rua, fora de casa.

Elas estão sempre em movimento e raramente passeiam
Portanto, o uso do espaço público não é o mesmo para os dois sexos: os homens ocupam as calçadas, os bares, o térreo dos prédios de maneira estática; já as mulheres não param. Elas estão sempre em movimento, raramente passeiam e evitam os lugares masculinos demais. O uso que elas fazem das ruas é mais prático do que lúdico: elas vão ao médico ou pegam o metrô para ir ao trabalho, fazer compras etc.

Foi o que pôde revelar a etnóloga e urbanista Marie-Christine Hohm em um estudo realizado em 2012 no bairro do Grand Parc, no norte de Bordeaux, junto a mulheres recrutadas em três grupos: estudantes de colegial e universitárias, mulheres em situação precária e sozinhas, e idosas. Todas tinham um “mapa mental” de seu bairro com ruas movimentadas e outras a se evitar, observou essa diretora da Agência de Urbanismo de Bordeaux, metrópole de Aquitaine.

Sejam jovens ou mais velhas, elas adotam estratégias para não serem notadas e assediadas, sobretudo à noite. Usam roupas simples, tênis, andam rápido sem responder aos assédios, com um fone de ouvido. Elas saem preferencialmente em grupo. No transporte coletivo, elas se sentam perto do motorista.

“As mulheres não se sentem legítimas no espaço público. Elas não o ocupam com a mesma despreocupação”, afirma Hohm.

75% dos orçamentos públicos para rapazes
As políticas de urbanização reforçaram esse aspecto sexuado da cidade com uma geografia de locais essencialmente masculinos. As pessoas sabem que os bares continuam sendo frequentados em sua maioria pelos homens. Mas não só. Quadras de bocha para os idosos, quadras poliesportivas, pistas de skate, campos de futebol, estúdios de ensaio, todos são espaços onde não se veem mulheres.

Setenta e cinco por cento dos orçamentos públicos servem para financiar lazer dos rapazes, como constatou Raibaud. “Só que, ao consagrar espaços viris e dominantes, reforça-se a presença dos homens no espaço público”, ele observa.

Essa tendência também se encontra nas políticas locais direcionadas para os jovens: equipamentos como dispositivos de lazer são pensados para os rapazes. Edith Maruéjouls, doutoranda na Universidade de Bordeaux, mostrou, ao misturar todas as atividades propostas em uma comuna popular da região (seções esportivas, centros de lazer, escolas de música e de dança, midiatecas), que 60% são frequentadas por rapazes. E, no caso das quadras de esporte de acesso livre, 100%; nas excursões de verão organizadas para os jovens do subúrbio de centros comunitários, 70%.

Já as meninas somem desses lugares quando entram no colegial.

“Isso traz à tona a questão dos estereótipos. É preciso que o poder público se pergunte por que o esporte praticado de maneira mista no colégio não o é fora dele”, afirma a sociogeógrafa.

Por enquanto, a conscientização sobre essa cidade dividida por gêneros está só engatinhando.

Sylvia Zappi
Com conteúdo do Le Monde/ Tradutor: UOL

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