(HuffPost Brasil, 30/03/2016) – Minha mãe fala que é feio eu falar palavrão e que não posso beber, pois sou uma “lady”. E quando pergunto a ela: “Mas e os meninos, eles podem?” Ela me responde que também não é legal eles fazerem. Mas como são meninos, né, um pouco tudo bem, faz parte!
A outra menina diz:
– Na escola não podemos usar regatas ou shorts, porque isso distrai os meninos! Eles podem no dia de calor estar de bermuda e regata, mas eu não, pois sou menina e vou causar algo em alguém!
Essa é uma parte mínima de uma conversa ampla entre duas amigas adolescentes e que, por um acaso, pude presenciar. Elas estavam muito reflexivas e incomodadas. Citavam vários exemplos para tentar expressar a tamanha indignação que sentiam.
Primeiro, prestei atenção nos exemplos: nenhum era novidade. Notei que os aqueles exemplos dados por elas eram situações diversas e, muitas vezes, corriqueiras.
Depois comecei a somá-los em minha mente. Eram muitos e isso começou a gerar certo desconforto. Aí percebi que quase todos os exemplos traziam consigo um ponto, eram cenas comuns. Era comum. É comum as meninas ouvirem e aprenderem que algo é legal ou compreensível para meninos, mas que para elas não é, com um único argumento:
você é menina!
A reflexão daquelas duas adolescentes me intrigou. Fiquei pensando em cada exemplo e percebi algo muito íntimo, delicado, com tamanha força, obviedade e impacto a respeito da desigualdade entre meninos e meninas:
Ela é ensinada pelos pais e pelas escolas. Isto é, muito antes de alguém agir desrespeitosamente alguém, assim como, permitir ou achar normal ser desrespeitada. Essas pessoas, meninos e meninas, homens e mulheres, aprenderam com suas bases orientadoras de vida que deviam agir assim. Aprenderam durante a formação intrapsíquica de seu EU, que a desigualdade faz parte de sua essência.
As mulheres vem falando, gritando, cantando, brigando e lutando por seus direitos. Esses movimentos pedem por um direito básico: o respeito.
Há ainda quem ache que essa luta é exagero, dramatização ou invenção; que esta “tal desigualdade” não existe, pois não faz sentido para eles, já que acreditam que não agem ou pensam com desigualdades; essas pessoas não conseguem perceber seus atos ou ouvir suas próprias palavras, apenas seguem aquilo que aprenderam. E costumam se expressar mais ou menos assim:
“Eu respeito as meninas, mas elas tem que se fazer respeitar também, como quer isso com aquela roupa? Ou saindo sozinha? Com este decote? Se querem ser respeitadas devem agir como meninas”
Mas o que é agir com uma menina?
Esse pensamento faz parte de homens e mulheres, que apenas seguem conceitos e tabus sociais.
A sociedade diz que:
Meninas sentam de pernas fechadas, não saem sozinhas, muito menos à noite, não usam roupas curtas, não falam palavrão, são simpáticas até com quem as desrespeita, não bebem, devem admirar a força que os meninos tem, devem buscar um menino (um homem) na vida para estar segura, para que saiba que é bonita, amada e não “ficar para titia”, deve entender que homens traem, que faz parte dos hormônios deles, mas que se elas tiverem uma relação extraconjugal não merecem respeito. Meninas devem se sentir lisonjeadas quando são chamadas de gostosa e delicia, por um menino, um homem ou pelo amigo de seu pai; não devem sair por aí se expondo ou falando sobre os abusos que sofrem no dia a dia.
Com esses “conceitos” e “regras sociais”, pais e escolas, acham que estão ajudando e educando as meninas, ensinando-as que os meninos são assim e elas devem entender e se proteger.
Já os meninos aprendem que:
Podem falar o que pensam, querem, quando querem, falam palavrão, xingam, bebem, fazem baderna, não resistem às mulheres ou as meninas (sendo elas quem forem, suas irmãs, amigas, professoras, alguém desconhecida…), “são os hormônios”, todos dizem, é coisa de menino, de homem; eles chegam nas baladas agarrando as meninas e quando elas dizem não, são ofendidas. Afinal, como uma menina vai recusar esta “honra” de ser agarrada por ele, de fazer parte de sua lista? Meninos fazem lista (das mais bonitas, gostosas, feias, das que pegam, das que devem esculachar…); são poderosos, são heróis, crescem ouvindo que devem proteger as meninas, pois elas são frágeis e quando crescem acham que tem poder sobre elas e que elas lhe devem algo por isso. Eles tem o direito de “cantar” as meninas na rua, seja ela, bonita, gostosa, alta, baixa, de roupa curta ou comprida.
É importante deixar claro que, com esse texto, não quero em nenhum momento dizer que menina é melhor que menino ou que meninos não são legais. Não me refiro a isso. Estou aqui propondo uma reflexão sobre a imposição de tabus, regras e conceitos que os pais, as escolas e a sociedade impõe sobre os gêneros e que, com este tipo de educação, esquecem de ensinar o mais importante: o respeito a si e ao outro.
Para mim, a base dessa desigualdade, principalmente em relação às mulheres, vem daí.
Estou aqui fazendo um alerta aos pais e escolas: vocês estão equivocados na educação das suas crianças e adolescentes. Cada vez que uma menina ouve que ela não pode fazer algo por ser menina ela aprende que vale menos que um menino. Cada vez que um menino ouve ou percebe que seus atos são justificados por ser menino, ele aprende que é mais do que qualquer menina/mulher.
Os meninos devem aprender e saber que vão sentir, sim, atração pelas meninas (assim como elas sentem por eles) e que isso não lhes dá o direito de falar como querem, de tocarem nelas sem seu consentimento ou de acharem que elas são frágeis e eles, os heróis da sociedade.
As meninas devem aprender que podem ser elas mesmas, usar o que gostam, seguir as mesmas regras e direitos que os meninos. E que, quando desrespeitadas, não devem se calar ou mudar seu jeito, mas sim, devem denunciar.
Pais e escolas: prestem atenção nas falas que usam com seus filhos e alunos! Prestem atenção nas regras que vocês determinam. Elas estão equivocadas. Prestem atenção ao movimento que o mundo vem alertando por uma igualdade de direitos entre os gêneros. Prestem atenção nas suas falas e se elas sugerem que alguém pode ou não pode, deve ou não deve fazer algo porque é menina ou menino. Seu método de educar precisa ser revisado urgentemente.
E o erro está no fato de que suas técnicas, palavras, regras e boa intenção transformam as meninas em alvo, transformam as meninas em pessoas que devem aceitar que serão desrespeitadas e por isso devem temer os meninos ou atacá-los (para se defender).
E, ao mesmo tempo, ensinam que os meninos podem fazer isso mesmo, pois faz parte de “ser menino”. A permissão social, dos pais e da escola, é compreendida e, assim, os valores transmitidos aos pequenos fica limitada e baseada, apenas, na desigualdade de direitos e deveres entre os gêneros.
É hora de sociedade como um todo refletir e rever a forma de educar. Precisamos aprender a como educar sem segregar. Penso que é a partir daí que teremos uma oportunidade real de mudança.
Acesse no site de origem: A desigualdade de gênero é ensinada em casa e na escola (HuffPost Brasil, 30/03/2016)