O Evangelho de João (20, 11-18) descreve que, morto Jesus, Maria Madalena permaneceu chorando junto ao túmulo, cuja pedra-porta havia sido retirada. Ao fitar o interior, não avistou o corpo de Jesus. Viu dois anjos. Perguntaram por que chorava. Ela respondeu: “Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram.”
(O Globo, 29/04/2017 – Acesse o site de origem)
Ao se virar, Madalena se deparou com um homem que também lhe perguntou por que chorava e o que procurava. Supôs tratar-se do jardineiro do cemitério: “Se foi o senhor que levou Jesus, diga-me onde o colocou e irei buscá-lo.” O estranho chamou-a pelo nome: “Maria.” Reconheceu Jesus pelo tom de voz e exclamou: “Rabuni!” (em hebraico, Mestre).
Madalena não se conteve e o abraçou. “Não me segure”, disse Jesus, “porque ainda não voltei para o Pai. Mas diga a meus irmãos que subo para junto de meu Pai, que é o Deus de vocês.” Ela foi ao encontro dos discípulos e anunciou: “Eu vi o Senhor!”
Madalena foi a primeira testemunha da Ressurreição. E a primeira a anunciar Jesus ressuscitado. Só o machismo imperante na Igreja, desde os primeiros séculos, explica por que não é considerada apóstola. Desde que Jesus a livrou de “sete demônios” não deixou de segui-lo, em companhia de Joana, Susana “e várias outras mulheres” (Lucas 8, 3).
Madalena não foi, entretanto, a primeira a reconhecer em Jesus o esperado Messias. Tal mérito pertence a outra mulher, também destacada por João (4, 1-30). Não sabemos o nome dela. Sabemos que vivia na Samaria e tinha o estranho hábito de ir ao poço buscar água por volta do meio-dia.
Ora, em qualquer região onde não há água encanada é ao amanhecer que se costuma buscar água. A atitude da samaritana se explica pelo óbvio: não queria encontrar outras mulheres. Sabia que tinha má fama e preferia ir ao poço quando não tivesse ninguém.
Certo dia se deparou ali com um jovem. Ao vê-la descer o balde no poço, ele pediu-lhe: “Dá-me de beber.” Pelo sotaque, reconheceu-o como judeu. E reinava forte rixa histórica entre judeus e samaritanos. “Como você, judeu, pede de beber a mim, samaritana?” Jesus, que ali parara para descansar enquanto os discípulos haviam ido comprar provisões, reagiu: “Se soubesse quem lhe pede de beber, você é que lhe pediria, e ele lhe daria água viva.”
A afirmação a intrigou: “Você não tem balde. De onde tirará água viva?” Jesus insistiu: “Quem bebe desta água terá sede de novo. Mas quem beber da água que darei nunca mais terá sede.” A fim de se livrar do trabalho de ir ao poço, ela o desafiou: “Dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede nem precise vir aqui.”
Jesus mudou o foco do papo: “Vá chamar seu marido.” “Não tenho marido”, disse ela. Sua fama já havia chegado à Galileia. “Você está certa ao dizer que não tem marido”, retrucou Jesus. “Já teve cinco e, agora, vive com um homem que não é seu marido. Você falou a verdade.”
Curioso Jesus não ter proferido um sermão moralista: “Sua promíscua! Como ousa querer minha água viva se não é capaz de botar freio nessa rotatividade conjugal?” E pensar que, hoje, há cardeais, bispos e padres que, contrariando o papa Francisco, insistem em negar os sacramentos a homens e mulheres recasados!
Além de não emitir nenhuma censura, Jesus a elogiou por dizer a verdade. E ao elucidar a dúvida dela sobre que lugar Deus deveria ser adorado, se em Jerusalém ou na Samaria, ele enfatizou que “os verdadeiros adoradores que o Pai deseja devem adorar em espírito e verdade.” E, pela primeira vez, quebrou o anonimato sobre a sua natureza divina e se revelou a ela como o esperado Messias.
Pobres dos puritanos escrupulosos! Não suportam o fato de Jesus ter se revelado, pela primeira vez, não a Pedro ou a outro apóstolo, mas a uma mulher de vida irregular! Por quê? Porque percebeu o quanto ela tinha sede de amor (a água viva). Era uma mulher voraz e veraz. E só Deus seria suficiente para preencher tamanho buraco no coração.
A samaritana largou o balde e correu à cidade para anunciar que encontrara o Messias. Ela foi, de fato, a primeira apóstola.
Estranho é que, até hoje, as mulheres sejam consideradas fiéis de segunda classe na Igreja Católica, impedidas de acesso ao sacerdócio. Se Deus quiser, isso haverá de mudar um dia, como tantas outras pedras do tradicionalismo já removidas.