(O Globo, 06/10/2015) Integrante de ONG que transformou malha segregada da Cidade do Cabo em espaço mais democrático, sul-africana veio ao rio falar no Urban Tec Brasil, na FGV
“Tenho 48 anos, sou casada, mãe de dois filhos. Minha paixão são as cidades. Não quero apenas morar nas cidades, quero poder transformá-las. Quero saber como funciona, como é projetada; como as pessoas vivem suas experiências e qual será a experiência deixada para as gerações futuras”
Conte algo que não sei.
As pessoas têm que estar em primeiro lugar. Quem está construindo a cidade, fazendo as mudanças? As instituições privadas, os políticos? Os cidadãos não estão participando, e é por isso que nem sempre as coisas acontecem da maneira certa. Precisamos de cidadãos ativos que transformem a cidade para transformar o futuro.
Fale sobre ser mulher na África do Sul contemporânea.
Não é fácil. Desde que a democracia prevaleceu há 20 anos, as coisas melhoraram, a Constituição incluiu a mulher. Porém, a mulher negra ainda é tida como de segunda classe. Falta uma política mais liberal, e há muito conflito entre as camadas sociais. E se você é de uma área pobre, se não tem um apoio por trás, uma estrutura familiar forte, fica sujeita a mazelas como estupro e violência, num contexto de educação frágil.
Como conciliar a vida familiar com um posto de liderança?
Tento balancear minha vida entre as funções de mãe, mulher e gerente de projetos de urbanismo. Se você pode ser uma mulher, pode ser tudo. Há uma semana estava na Espanha, meus filhos terminando seus projetos de estudos, meu marido trabalhando… Mas é incrível como hoje o mundo é pequeno. Estou no Brasil e gerencio minha casa pelo iPad!
Retrate sua infância.
Foi uma infância ainda sob o Apartheid, mas cresci numa área rural fantástica. Havia uma casa grande, uma área verde, como uma fazenda. Era uma vila pequena, com um padre, uma praça, uma igreja. Mas todo mundo vivia conectado e isso fazia diferença.
E hoje vive na Cidade do Cabo, que é o oposto. Que tal?
Vivo lá há 12 anos, pois não posso viver longe da praia, preciso ter água em minha volta o tempo todo. É também a cidade onde estão as oportunidades, onde está o dinheiro. Eu nunca tive problemas em ter o que eu queria na vida, na profissão, pois sou uma pessoa que não se conforma com as coisas.
Qual a receita?
Não me conformo que alguém tenha que dizer como me vestir, como me parecer, eu não gosto de seguir regras de comportamento, eu vivo do meu próprio jeito.
Que mudanças você promoveu na capital?
A agenda da ONG em que trabalho era transformar o Centro da cidade por meio de uma parceria público-privada, tornando-o mais sustentável e a sociedade, mais participativa. Funcionou rápido: o Centro se regenerou, ficou seguro e conectado com o resto.
De que forma?
Na África do Sul, por causa do apartheid, as cidades foram construídas, pensadas, de forma a separar as pessoas, dividindo-as por raças e poder aquisitivo. É difícil a circulação de uma área para outra.
Isso é aplicável em cidades que não viveram fenômenos como o apartheid?
Depende da dinâmica… Nas cidades em que é necessário conectar as pessoas, deixá-las se movimentar livremente.
De que forma vê o Rio?
É a minha primeira vez. É uma cidade linda, mas geograficamente confusa. Não é fácil se encontrar. A dificuldade de comunicação é grande. Poucas pessoas falam inglês. O Rio é a sede dos Jogos Olímpicos, trouxe a Copa, recebe milhares de turistas. Eu esperava uma cidade bilíngue, com o português e o inglês.
Tatiana Furtado
Acesse o PDF: Bulelwa Makalima-Ngewana, urbanista: ‘Se você pode ser mulher, pode ser tudo’ (O Globo, 06/10/2015)