Escolas como Gracinha e Bandeirantes têm grupos de alunas que fazem intervenções e tentam acabar com o machismo nas instituições de ensino
De uns anos para cá, o movimento feminista começou a fazer parte da vida das mulheres no Brasil de forma mais consistente. As universidades, por exemplo, foram lugares em que o feminismo ganhou espaço para ser debatido. Agora, o movimento começa a chegar ao ensino médio de escolas particulares.
(O Estado de S. Paulo, 04/04/2017 – acesse no site de origem)
Na Escola Nossa Senhora das Graças, conhecido como Gracinha, em 2014, um grupo de meninas do ensino médio decidiu criar um coletivo feminista. Fernanda Helito, 16 anos, hoje no terceiro ano, não participou do processo, mas é atuante no Eu Não Sou Uma Gracinha e explica que a iniciativa serve para as meninas atuarem dentro da escola.
“Nós conversamos com os meninos, professores, resolvemos questões dentro da escola. No cotidiano, é bastante útil”, opina a aluna. Fernanda relembra que o Gracinha incentivou as criadoras quando o projeto surgiu.
Wagner Borja, vice-diretor do Gracinha, afirma que, de início, o movimento foi impactante. “Foi uma reação delas ao que entendiam ser posturas inadequadas da escola e isso gerou um debate interno forte. A nossa reação foi criar um grupo interno para discutir questões do gênero”, assim, os profissionais da escola foram se capacitar sobre o assunto.
O Eu Não Sou Uma Gracinha atua de diversas maneiras no cotidiano escolar. Uma delas é com happenings, ou seja, ações inesperadas para fazer críticas ou propor mudanças. Um dos mais recentes, como relata Fernanda, foi por causa das aulas de educação física: os meninos podiam usar coletes sem camiseta por baixo, mas as meninas não podiam ficar de top ou sutiã com colete por cima.
“Fomos falar com o professor e ele não deu importância, então, fizemos um happening. As meninas foram sem camiseta para a escola, só com colete”, exemplifica. A resolução foi que elas não poderiam ficar sem blusa por baixo do colete, mas os meninos tampouco.
As meninas do coletivo, que atualmente são 15 alunas, realizam outros eventos, como reuniões às sextas-feiras e cinedebates. “Neste mês de março elas organizaram um cineclube que tem exibido filmes de temática feminista”, diz Borja. Além disso, elas são convidadas a participarem de debates sobre questões como sexualidade e gênero no ambiente escolar.
Embate. Fernanda explica que às sextas-feiras, em suas reuniões, a opção das meninas é que não haja homens no ambiente. No entanto, a direção da escola é contra: “O que temos falado dentro da escola é que não tenham eventos que os meninos sejam proibidos de participar”, explica o vice-diretor.
As alunas, por outro lado, preferem um ambiente exclusivo delas para que possam sentir-se mais à vontade para se abrirem e debater assuntos relacionados ao feminismo.
No Colégio Bandeirantes, um dos mais tradicionais de São Paulo, o Coletivo Tuíra nasceu em 2016, com o nome que homenageia a índia Tuíra, famosa pela sua atuação no caso Belo Monte.
Stephanie Ribeiro, 17 anos, participa desde o início do processo e afirma que o coletivo começou com o objetivo de abordar o machismo e acolher as meninas no Bandeirantes. “Nós queríamos desconstruir o machismo dentro da escola para que todos se sentissem bem”, explica a aluna do terceiro ano.
As reuniões ocorrem a cada 15 dias e, quando julgam necessário, as alunas fazem intervenções na escola. Cátia Pereira, professora de português, participa do coletivo e relembra uma das atuações mais marcante dos Tuíra até agora: “A intervenção que elas fizeram na escola ano passado, ao meu ver, foi muito boa, mas causou. Elas colocaram post its nas paredes com frases machistas que costumamos ouvir”.
A professora lembra que, no momento, muitos alunos homens ficaram revoltados por causa da ‘generalização’. No entanto, Cátia defende a iniciativa das meninas, “a ideia foi mostrar que isso [o machismo] existe”,
No Bandeirantes, não há problema com o fato de só mulheres participarem das reuniões. “São só meninas, porque a base é nossa, vemos o feminismo como uma luta em que o protagonismo tem de ser das mulheres”, explica Stephanie. “Mas nós também queremos dialogar com os meninos, com os funcionários”, porque, apesar das reuniões serem só de mulheres, os homens são atingidos também.
Resistência. Tanto no Gracinha quanto no Bandeirantes as meninas enfrentam resistência de parte dos alunos. No caso da primeira escola, Fernanda afirma que logo que o coletivo foi criado, a situação era pior, “mas, conforme o tempo foi passando, as meninas perceberam que o coletivo existe e tudo bem, mas muitas não participam”. A aluna sente que o maior repúdio vem das crianças mais novas.
Stephanie acredita que a sociedade, machista como um todo, influencia alguns alunos, o que os leva a criticarem o Coletivo Tuíra. “Mas, de maneira geral, conseguimos o nosso espaço e [a resistência] está melhorando”, opina.
Contribuição. Borja, vice-diretor do Gracinha, vê grandes conquistas das meninas ao tentarem mudar o ambiente escolar. “Acho que o grande mérito delas foi ter colocado a nu a questão do gênero e a necessidade da escola pensar nisso”, pondera. “Hoje, essas questões não estão escondidas, elas aparecem na preparação, na montagem das atividades que os professores vão desenvolver”.
Além do cineclube organizado pelo Eu Não Sou Uma Gracinha, em março, professoras da escola fizeram uma mesa para discutir o papel das mulheres em temas como ciências da natureza e matemática. “Esse é um debate fruto da ação das meninas, passou a ser um trabalho do nosso cotidiano”, define.
No Bandeirantes, Cátia vê o movimento como “extremamente necessário”. “A escola é o espaço em que é necessário que se tenha esse tipo de discussão, para que se amplie horizontes. Não é só uma coisa de uma pauta, é o que está no dia a dia das meninas, das mulheres. E no dos homens também”, pontua. Para a professora, informar sobre questões de gênero é importante e necessário.
Uniforme e representatividade. No Colégio Israelita Brasileiro A. Liessin, no Rio de Janeiro, há um uniforme, feito pela marca Reserva, com nomes de pensadores judeus notáveis: “Freud, Spielberg, Einstein e eu”.
Incomodadas com a falta de representatividade, Maika Caner, 16 anos, e uma amiga encabeçaram um projeto para criar um modelo similar, mas com nomes de judias. “Começamos a pesquisar, lemos vários livros e montamos um mural para que criássemos textos sobre essas mulheres”, explica. Ao final, o objetivo era fazer uma votação com toda a escola para eleger quem seriam as pensadoras para o novo uniforme. O projeto foi uma parceria entre a escola e as alunas.
A estudante do segundo ano do Liessin afirma que, de cara, a escola gostou da sugestão. Rafael Bronz, diretor da área judaica, ao ouvir a ideia das meninas, viu todo o sentido. “Foi um insight que nós aceitamos na hora e transformamos em um projeto educativo”, afirma.
Apesar de o Liessin não ter um coletivo feminista, Maika diz que as iniciativas do movimento têm crescido dentro da escola.
Anita Efraim – Especial para O Estado de S. Paulo