Um dos motivos, segundo Juliana Cesario Alvim, é a indicação de dois novos ministros pelo próximo presidente
(Jota, 09/08/2018 – acesse no site de origem)
Embora a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, não deva ser pautada no Supremo Tribunal Federal (STF) tão cedo, o timing do julgamento deve ser influenciado pelas eleições de outubro.
Para a advogada Juliana Cesario Alvim Gomes, fellow na FGV Direito Rio consultora jurídica para o Center for Reproductive Rights, esta influência se dá não só porque as eleições vão mostrar as tendências políticas do país, mas também porque o próximo presidente da República irá nomear pelo menos dois novos ministros.
Caso a ação fosse julgada num ano eleitoral, argumenta Juliana, a politização provavelmente seria maior, o que, para ela, não é necessariamente ruim. Por um lado, isso permitira revelar histórias de aborto que frequentemente são omitidas e invisibilizadas, mesmo no âmbito privado.
“O elevado número de abortos que ocorrem anualmente revela a ineficiência da criminalização para os fins que se propõe, o que vai contra ao princípio da proporcionalidade”, argumenta Juliana.
Leia a conversa com a a advogada Juliana Cesario Alvim Gomes, a terceira de uma série de entrevistas sobre a ADPF da descriminalização do aborto.
O Supremo teria, no cenário atual, força suficiente para decidir uma questão polêmica como esta sem risco de ver o Congresso alterar a legislação para impedir o aborto em qualquer circunstância?
O risco de que o Congresso tente reverter uma decisão do Supremo está sempre presente. À vezes o Congresso consegue, às vezes não. À vezes tenta fazê-lo dentro do marco constitucional, portanto de acordo com o Direito, às vezes não. E isso depende de uma série de fatores.
Da perspectiva do direito, um desses fatores é a fundamentação da decisão do Supremo. Por exemplo, se o acórdão se baseia no fato de que a legislação considerada inconstitucional viola cláusula pétrea, não caberia emenda constitucional para alterar o texto constitucional (que nesse caso seria imutável) e o parâmetro do controle de constitucionalidade.
Sob o ponto de vista da realidade prática (que não necessariamente se limita pelo respeito à legalidade), a legitimidade institucional da corte é um ponto crucial (as pessoas confiam na corte? respeitam a força de suas decisões mesmo quando com elas não concordam?) e os próprios mecanismos de retaliação (e a disposição de usá-los) por parte do Congresso podem influenciar a força do Supremo para conseguir fazer valer a sua decisão.
Pelas experiências anteriores e pelas pesquisas já publicadas sobre o tribunal, não espera-se para o curto prazo uma decisão do Supremo. Este é um processo, na sua perspectiva, que será julgado em quanto tempo? Curto prazo? Médio prazo?
Acredito que o processo não será julgado tão cedo. Por um lado, pela complexidade e controvérsia que o caso envolve, o que fica evidente no número recorde de entidades sociais que buscaram participação na ação.
Por outro, porque como não há critérios transparentes e pré-estabelecidos de funcionamento da pauta do Supremo, o timing do julgamento pode sofrer influência, por exemplo, do resultado eleitoral de outubro.
Não só porque as eleições vão mostrar as tendências políticas do país (e logo o maior ou menor ônus do STF em decidir), mas também porque o próximo presidente da República irá nomear pelo menos dois novos ministros, o que pode influenciar a conveniência e a disposição da corte em colocar em pauta e decidir esse caso.
A ministra Rosa Weber disse, na abertura da audiência, que esta é uma questão judicializada e que será decidida pelo Supremo. Mas esta é de fato uma questão já dada? Ou pode-se argumentar no Supremo que este não é assunto para uma Corte Constitucional?
A fala da Ministra Rosa Weber vai no sentido de que uma das questões que o Supremo vai decidir é justamente se esse é um caso para ele decidir o mérito ou se é uma questão que deve ser tratada pelo Legislativo. E essa pergunta não está dissociada do entendimento que se tem sobre o próprio mérito do caso.
Do ponto de vista jurídico, entender que esse é um caso para o Supremo decidir é ver a questão do aborto como uma questão de direitos fundamentais das mulheres (saúde, autonomia, integridade psico-física, igualdade, direitos sexuais e reprodutivos) e, logo, de direitos que devem ser garantidos a despeito das opiniões das maiorias políticas de ocasião.
Nesse sentido, é preciso atentar para o uso estratégico que pode ser feito do argumento da “incompetência” do Supremo para decidir o mérito. Em outras palavras, um ministro que queira evitar se posicionar sobre o mérito do caso, pode buscar a via da (i)legitimidade institucional, afirmando tratar-se de questão eminentemente política, evitando ter que adentrar na discussão de fundo. Por isso é importante submeter esse tipo de fundamentação a um exame minucioso.
De que forma podemos mapear o plenário do Supremo com base no julgamento das pesquisas com células-tronco?
O julgamento de células-tronco traz indícios importantes de como os ministros podem se posicionar no presente caso. E é fundamental cobrar coerência do tribunal e dos ministros com relação àquele caso. Outros casos, igualmente, podem ajudar a mapear o plenário do Supremo, o mais recente é o HC 124.306, decidido pela 1ª Turma.
No primeiro dia das audiências, muito se falou das estatísticas de mortes em razão da precarização dos abortos hoje. De que forma os números podem interferir na decisão do STF?
As estatísticas podem influenciar de diversas maneiras o entendimento do Supremo. Por um lado, evidenciam a magnitude do problema. O elevado número de abortos que ocorrem anualmente revela a ineficiência da criminalização para os fins que se propõe, o que vai contra o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, as estatísticas revelam como as consequências da criminalização do aborto recaem de maneira diferente em diferentes grupos sociais, impactando de maneira negativa desproporcionalmente grupos de mulheres socialmente marginalizadas e estigmatizadas (negras, pobres, rurais). Isso vai de encontro, por exemplo, à ideia de igualdade.
Julgar um caso como este em ano eleitoral seria um risco de extrema politização do tema?
Julgar em ano eleitoral pode sim aumentar a politização do tema, o que não necessariamente é ruim. Uma das questões que permeia o debate ao aborto é o fato de que as histórias de aborto são frequentemente omitidas e invisibilizadas, mesmo nos âmbitos privados.
Nesse sentido, politizar o tema pode servir para dar visibilidade para essas histórias. O risco da politização, a meu ver, é que ela ocorra em um contexto de polarização política em que não haja oportunidade para debate e a troca de ideias.
Aborto é um tema discutido há anos e que comporta decisões muito marcadas. Qual o impacto de uma audiência pública num tema como este?
A realização de audiência pública é extremamente importante por uma série de razões. Por um lado, promove a troca e o escrutínio de ideias e dados. Ajuda a expor posicionamentos e interesses de diversos atores sociais. Contribui para aumentar a legitimidade democrática do Supremo (o que é essencial considerando que seus membros não são eleitos).
E, além disso, traz a sociedade e as cidadãs e os cidadãos para o centro do debate, abrindo a possibilidade para que contribuam como co-autores do significado constitucional e para que ajudem a renovar a tradição constitucional, dando força à Constituição.
Contudo, isso tudo depende e está relacionado a como a audiência pública vai ser aproveitada pelo tribunal. É importante que os argumentos trazidos sejam de fato considerados e enfrentados pelos ministros individualmente e, sobretudo, pelo tribunal como um todo em sua decisão.