Lições na aprovação das cotas raciais na pós-graduação da Unicamp

21 de julho, 2016

(Carta Capital, 21/07/2016) Não podemos nos isolar. Nossas conquistas sempre serão fruto da organização coletiva. A vitoriosa luta de negros e negras no Brasil só confirma isso.

Doutorandas no programa de pós-graduação em Educação da Unicamp, Carolina Pinho e Katia Norões são também membros da Frente Pró-Cotas da universidade. Nesta semana, abro o espaço para que elas escrevam sobre a aprovação do programa de cotas étnico-racial e para pessoas com deficiências da Unicamp e a importância dessa medida como um modo de diminuir os abismos sociais. Segue o texto delas sobre esse fundamental avanço: 

Por Carolina Pinho e Katia Norões

No dia 26 de junho de 2016, a Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprovou o Programa de Cotas Étnico-raciais e para Pessoas com Deficiências, que será implementado já na seleção para 2017 para os cursos de mestrado e doutorado.

Na Unicamp, os primeiros a aprovarem cotasforam os do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, em 2014, sendo que a proposta foi elaborada por estudantes organizados em dois coletivos: Frente Pró-Cotas e Núcleo de Consciência Negra da Unicamp.

Consideramos esta uma vitória tanto para as políticas sociais quanto para as lutas de grupos sub-representados no Ensino Superior, para os quais tal política se faz fundamental para pleitearem acesso, formação e contribuírem para produção científica no país.

Vitória porque não podemos nos esquecer de que São Paulo, apesar de concentrar riquezas, expressa profundas desigualdades sociais, em que as violências têm cor, raça, classe, idade, gênero e origem social.

O estado é governado há mais de 20 anos por um partido, o PSDB, que foi contra aimplementação de ações afirmativas a nível nacional. Um reflexo disso é a inexistência de cotas etnico-raciais na graduação nas universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp).

Os considerados “centros de excelência” vão na direção oposta ao que ocorre nas universidades federais, que apresentam ótimos resultados a partir dos programas de ações afirmativas. Entre eles, a criação de grupos e núcleo de pesquisas sobre temáticas inexistentes ou pouco exploradas na produção científica brasileira, muitas vezes exploradas apenas por universidades estrangeiras.

As ações afirmativas no Ensino Superior vêm sendo implementadas desde a década de 1940 em vários países. Nos EUA, por exemplo, onde menos de 15% da população é composta por negros e negras, o que balizou a implementação das ações afirmativas foi o argumento de garantia dos fundamentos da democracia: como o mérito individual e a igualdade de oportunidades.

O pressuposto é se há grupos que têm oportunidades desiguais, eles devem ter tratamento desigual nas políticas públicas. Entretanto, no Brasil o debate sobre ações afirmativas ganhou outras interpretações.

O mito da democracia racial reforça a ideia de que somos todos iguais e que a implementação das ações afirmativas seriam desnecessárias. Além disso, a estrutura escravocrata ainda é base das relações sociais no nosso país: a subalternidade é quase como uma instituição a ser zelada por quem detêm privilégios. Isso não seria diferente nas universidades.

A discussão sobre a implementação das ações afirmativas nas universidades públicas revela os abismos sociais entre grupos, o racismo e o machismo que se traduzem em estratégias de conservadorismos nessas estruturas sociais.

Como isso ocorre?

Muitos professores simplesmente desconhecem a história, filosofia, tecnologias, saúde, alimentação e as reais necessidades dos povos que compõem essa sociedade.

Estes mesmos recusam as ações afirmativas em nome da defesa irrestrita da “qualidade acadêmica”, supostamente ameaçada por pessoas supostamente “incapazes”.

Ou seja, a implementação das ações afirmativas traz algo muito além da conquista de espaços e conhecimentos que sempre nos foram negados: traz também o dedo na ferida.

As tensões na universidade, que pareciam superadas, se revelam ainda mais fortes quando se propõem ações que podem modificar verdadeiramente a estrutura de um dos pilares do privilégio da elite brasileira: a universidade pública.

Mas, resistimos. As políticas afirmativas no Ensino Superior vêm sendo defendidas pelos movimentos sociais negros, com outras nomenclaturas e conceitos, desde o final do século XIX.

Na década de 1940, intelectuais negros como Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento estruturavam propostas como essas que temos a oportunidade de vivenciar em todo o país. O resultado, ainda que tardio, é vitorioso e contradiz todos os argumentos contrários, invalidados após 10 anos de implementação das políticas de ações afirmativas.

A lição que fica de mais uma vitória dos movimentos é: não podemos nos isolar. Nossas conquistas sempre serão fruto de nossa organização coletiva. A vitoriosa luta de negros e negras no Brasil só confirma isso.

A aprovação de cotas raciais em diversos programas de pós-graduação no Brasil devem ser pontos de apoio  para mudanças que transformem concretamente a realidade de negros, negras, povos indígenas, junto a demais grupos sub-representados e finalmente tenhamos acesso ao patrimônio material e imaterial que ajudamos a produzir neste país.

* Carolina Pinho é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educação da Unicamp. Katia Norões é doutoranda no mesmo programa e membro da Frente Pró-Cotas da Unicamp

por Djalma Ribeiro

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