Dilma presidenta: mulher “sozinha”? Ou, sobre efeitos de preconceitos em cascata, por Eliane Gonçalves (APG)

09 de novembro, 2010

(Agência Patrícia Galvão) Professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e doutora pela Unicamp, com a tese “Vidas no singular: noções sobre mulheres sós no Brasil contemporâneo”, Eliane Gonçalves critica o preconceito existente na associação que ainda se faz entre os rótulos “mulher não-casada” e “mulher sozinha”, a partir das interpelações e comentários sobre a presidente eleita Dilma Rousseff.

Leia na íntegra o artigo publicado com exclusividade pela Agência Patrícia Galvão:

“Há muitas formas de conhecer como pensam as pessoas numa determinada cultura. Uma delas é por meio das expressões que irrompem espontaneamente nas falas impensadas, não planejadas, não ensaiadas. Ainda respirando o processo eleitoral que deu vitória a Dilma Rousseff, deparei-me, recentemente, com algumas interpelações feitas por profissionais da mídia sobre a condição de solteira da presidente eleita. Vejam, por exemplo, Mônica Waldvogel, no programa “Entre Aspas” da Globo News, José Luiz Datena, no “Brasil Urgente” da Band, e alguns blogueiros de revistas nacionais, como Veja e outras.

Reforçando um clichê altamente disseminado no senso comum, essas interpelações associam o estado civil de “não-casada” (a presidente se autodeclara solteira, mas já foi casada, é mãe e avó) à condição de mulher sozinha. Estar sozinha é não ter um par, um marido. Não adianta argumentar que se têm amigos, filhos, parentes, alunos, animais de estimação, nada. Ser sozinha é um rótulo que se aplica com sucesso àquelas pessoas que, supostamente, “amargam” a condição de não-casadas.

O fenômeno está longe de ser genuinamente brasileiro. Personagens públicas como Condoleezza Rice, ex-secretária de Estado dos EUA, foi alvo de diversos ataques por ser solteira e sem filhos. São variadas as formas de violência contra mulheres, isso já sabemos.

Não bastasse a quebra monumental na convenção polarizada de gênero –que prevê um homem político à frente, assumindo seu lugar público, com uma esposa atrás, como primeira dama, assumindo compromissos fúteis associados ao seu destino privado–, a eleição de uma mulher não-casada suscita imediatamente especulações sobre seu estatuto no presente e seu futuro marital: “A senhora está namorando?”; “A senhora está solteira?”; “E se a presidente arranjar um namorado, como é que fica?”.

Gostaria que a nossa presidenta não caísse nesta armadilha, respondendo a essas invasivas perguntas com outros clichês, como este: “infelizmente, solteira” e “celeremente indo para a terceira idade” (“Solteira, infelizmente” – Veja nas Eleições, 07/04/2010). No imaginário social ainda persistem idéias como essas: pessoas solteiras são infelizes e, se chegam à terceira idade, é melhor aposentar a vida amorosa e sexual.

Não podemos ainda celebrar, ao invés de lamentar, o fato de uma mulher não-casada ter uma vida que valha a pena ser vivida. Nem mesmo sendo presidenta de um país tão vultuoso, com uma carreira política de tamanho sucesso. É impressionante que uma mulher com esta estatura ainda seja medida por esta escala.”

Contato com a autora

Eliane Gonçalves
Professora adjunta de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás
Colaboradora do Grupo Transas do Corpo
Tels.: (62) 3521-1128 / 1100 (UFG) e (62) 3095-2301/04 (Grupo Transas)
[email protected]
http://lattes.cnpq.br/7413052054334814

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