Quando se trata de discutir a descriminalização do aborto, muitas das opiniões são dadas a partir de informações equivocadas. A seguir, especialistas –ouvidos durante debate promovido pela revista “AzMina” pelo dia 28 de setembro, o Dia Mundial pela Descriminalização do Aborto– desconstroem cinco mitos sobre o tema.
(UOL, 05/10/2016 – acesse no site de origem)
1 – A mulher que aborta é uma jovem inconsequente
De acordo com dados da Pesquisa Nacional do Aborto –realizada pelo Anis – Instituto de Bioética (organização não governamental que defende, entre outros temas, direitos reprodutivos) em parceria com a Universidade de Brasília–, aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já abortou, e o perfil dessa mulher é bem diferente do imaginário coletivo. “Ela não é leviana, adolescente ou qualquer outra fantasia moral que as pessoas tenham. É uma mulher comum, que geralmente tem filhos e a grande maioria é católica”, fala a antropóloga Débora Diniz, pesquisadora do instituto.
Segundo Débora, mulheres de todas as classes sociais fazem aborto, mas o procedimento põe em risco a saúde das mais pobres, negras, nordestinas e as mais distantes das capitais e elites urbanas. “Enquanto as mais ricas compram um remédio seguro ou pegam um avião para abortar em Miami, as mais pobres não sabem se estão colocando um remédio verdadeiro na vagina”, afirma a antropóloga.
2 – Abortar é perigoso
Toda vez que uma mulher morre em decorrência de um aborto, a imprensa relata os perigos do procedimento. “O aborto não é perigoso se for feito com instrumental esterilizado. Hoje, a cada dia dois dias, uma mulher morre por abortamento mal feito. Como médico, não sou a favor do aborto, mas sou contra a penalização das mulheres. A questão do aborto é de foro individual e só cabe à mulher decidir o que fará, independente do que pensa seu vizinho a respeito”, afirma Thomaz Gollop, livre-docente em genética pela USP (Universidade de São Paulo), professor associado de ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, no interior do Estado, e coordenador do GEA (Grupo de Estudos Sobre o Aborto).
3 – Se o aborto for permitido, o SUS irá falir
Segundo Gollop, existe um mito de que se o aborto for legalizado no Brasil, o SUS (Sistema Único de Saúde) iria à falência –já que o governo teria de arcar com esse procedimento para todas as mulheres que assim o quisessem.
No entanto, o próprio coordenador do GEA diz que o governo já tem um gasto significativo com a quantidade de abortamentos mal feitos. “O SUS tem cerca de 200 mil internações por curetagem anualmente. Nem toda curetagem é consequência de sangramento intenso por aborto mal feito, mas a grande maioria dos casos é, sim, por essa razão. Quando a mulher aborta em clínicas com péssimas condições, com material não esterilizado, o risco de infecção e de perfuração do útero e de outros órgãos, como o intestino, é muito pior, o que causa um dano/custo ainda maior”, declara.
4 – Se for descriminalizado, o aborto vai virar contracepção
Segundo a antropóloga Débora, os países em que o aborto foi legalizado viram o número de procedimentos diminuir a cada ano. “O momento em que a mulher chega em uma situação de aborto é estratégico para perguntar o que houve: como está usando o método contraceptivo, o que está acontecendo na sua vida, se sofre violência e se não consegue negociar com o companheiro o uso do preservativo”, afirma.
Débora diz que, quando há ilegalidade, os profissionais de saúde perdem o momento de se aproximar e ajudar na prevenção, informação e no planejamento familiar.
De acordo com José Henrique Torres, juiz, professor de direito penal da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas (SP) e membro da Associação Juízes para a Democracia, se o aborto for descriminalizado, ele passará a ser um ato médico, e a mulher terá o direito de fazer o procedimento, tornando-o um dever do Estado.
“O Estado terá de assumir essa obrigação e fornecer toda assistência para praticar o abortamento de forma segura. Mesmo nos casos em que a mulher possa fazer sozinha [tomando um remédio], ela terá respaldo para qualquer necessidade, assistência, acolhimento e orientação. Ela não precisará aprender como se faz vendo um canal no Youtube”, fala Torres.
5 – Se a mulher não quer criar o filho, por que não o ter e dá-lo para adoção?
Para Débora, obrigar a mulher a manter a gestação e dar à luz uma criança para posteriormente doá-la é uma agressão muito grande. “É ignorar o contexto social [situação econômica e apoio familiar] onde ela vive. Por isso que o aborto é uma decisão íntima e privada”, fala a antropóloga.
“A possibilidade de entregar a criança para adoção não pode vir antes do direito de a mulher decidir pelo aborto. Não pode ser um instrumento de tortura para ela. Por que é tão difícil aceitar a liberdade das pessoas?”, afirma Torres.
Thamires Andrade