A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS) lança a atualização 2023 do estudo “Estupro de Vulnerável: Caracterização de Crianças Mães no Brasil”, que revela a permanência alarmante das gestações em meninas de 10 a 14 anos, todas configuradas como estupro de vulnerável segundo o Código Penal. Os novos dados mostram que o Brasil registrou 13.941 nascimentos em corpos infantis em 2023, o equivalente a uma criança mãe a cada 38 minutos — cerca de 38 por dia.
Mesmo com a redução de 20,8% da população de meninas nessa faixa etária entre 2010 e 2022, o número de gestações infantis permanece alto e expõe a incapacidade do Estado de prevenir violência sexual, identificar vítimas e garantir o aborto legal, previsto em casos de estupro. Os dados preliminares de 2024 já indicam 11.359 nascidos vivos, reforçando a urgência do tema.
A atualização revela ainda a face racializada dessa violência: 74,9% das crianças-mães em 2023 eram negras (pretas e pardas), e 6,6% eram indígenas, somando mais de 81% dos casos. As meninas brancas representam apenas 16% dos registros. O estudo aponta desigualdades regionais persistentes, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a redução de casos foi menor e o acesso a políticas de proteção e saúde é mais frágil.
A pesquisa também destaca que 37% das crianças-mães tiveram pré-natal inadequado, reflexo da demora para identificação da gestação e das barreiras enfrentadas para acessar o sistema de saúde. Pela primeira vez, o estudo mapeou o casamento infantil: 13,6% das meninas grávidas estavam em união estável, evidenciando a normalização social de relações abusivas utilizadas como aparente “solução” para uma gravidez resultante de estupro.
A RFS alerta para a combinação de violência sexual, racismo estrutural e falhas institucionais, agravada por propostas legislativas como o PL 1.904/2024, que tenta criminalizar o aborto legal após 22 semanas, e o PDL 3/2025, que busca sustar a Resolução CONANDA 258/2024, responsável por orientar fluxos de proteção a crianças vítimas de violência sexual.
A organização reforça a necessidade urgente de trabalho intersetorial entre saúde, assistência social, educação, conselhos tutelares, Ministério Público e Defensoria Pública para garantir acolhimento, prevenção de novas violências, acompanhamento psicossocial e acesso ao aborto legal sem restrições gestacionais.
O estudo consolida um diagnóstico contundente: o Brasil segue falhando na proteção das meninas. A violência sexual contra crianças é um problema de saúde pública e de responsabilidade coletiva.
Acesse a atualização do estudo aqui.