Helena Paro é um nome conhecido quando o assunto é justiça reprodutiva. Ginecologista, obstetra, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, ela criou o primeiro serviço de aborto legal por telemedicina do país. O atendimento pioneiro auxilia o abortamento legal de mulheres e meninas vítimas de violência sexual. Os procedimentos por telemedicina foram regulamentados no Brasil por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Desde que lançou a cartilha “Aborto legal via telessaúde”, em 2021, nos momentos mais dramáticos da pandemia de Covid-19, quando os atendimentos de aborto legal ficaram travados nas unidades de saúde, Paro tem sofrido retaliações. São desde ataques virtuais a ações coordenadas por políticos e por órgãos como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Ministério da Saúde. A médica também é alvo de um procedimento ético-profissional movido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) de Minas Gerais, que, em caso extremo, pode levar à perda de sua licença médica.
O procedimento aberto pelo CRM-MG decorre de uma sindicância feita em 2021, logo após o lançamento do aborto legal por telemedicina. “Vieram ao hospital onde eu trabalho e dou aula, me fizeram perguntas, acessaram mais da metade dos prontuários das meninas e mulheres, que utilizaram o serviço por telemedicina”, contou Paro, sobre a sindicância. A defesa da médica questiona a validade do procedimento.
Conforme diz o atual Código de Processo Ético Profissional do Conselho Federal de Medicina, uma sindicância é aberta “mediante denúncia escrita ou verbal, na qual conste o relato circunstanciado dos fatos e, quando possível, a qualificação do médico denunciado, com a indicação das provas documentais, além de identificação do denunciante”. No ofício que inaugura a sindicância, ao qual a Agência Pública teve acesso, todavia, não há qualquer identificação sobre o denunciante. Constam apenas duas publicações em veículos de imprensa – Uol e Gazeta do Povo, que noticiaram o serviço por telemedicina e a polêmica em torno do tema. De acordo com o artigo 7º das normas aprovadas pelo próprio Conselho, denúncias anônimas não são aceitas.
“A sindicância foi considerada favorável, sem registros de infração ética. Ainda assim, o Conselho optou por aprofundar a investigação da conduta de Helena Paro”, disse Gabriela Rondon, advogada da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que integra a equipe de defesa da obstetra. De acordo com Paro, o procedimento a acusa de uma série de infrações de artigos do código de ética médica, como ‘corromper os bons costumes’ e ‘favorecer o crime’. “Também de ‘não utilizar os conhecimentos científicos em prol da saúde das pessoas’, o que era exatamente o que eu estava fazendo”, disse a médica.
Os registros documentais da sindicância estão sob sigilo, por norma do Conselho Federal de Medicina. O procedimento ético-profissional também é sigiloso. O caso foi encaminhado à Justiça pela própria defesa da médica, na tentativa de suspender a ação.
Contudo, no ano passado, a Vara da Justiça Federal de Uberlândia se pronunciou pela continuidade do procedimento, entendendo que não havia ilegalidade na investigação ética por parte do Conselho. Um pedido de recurso foi encaminhado pela defesa da obstetra ao Tribunal Regional Federal (TRF), que intimou o CRM-MG a dar explicações. Tanto o procedimento ético-profissional do CRM quanto sua judicialização continuam em andamento.