Após etapa de consultas a especialistas, Congresso entra em fase final de discussões políticas de projeto
(Folha de S.Paulo, 01/08/2018 – acesse no site de origem)
A uma semana da votação no Senado argentino da lei que descriminaliza o aborto, o placar vai ficando mais apertado. Há 32 contra, 28 a favor, 11 indecisos e uma abstenção —são 72 senadores.
O debate, que passou da fase de consultas a especialistas (médicos, advogados, biólogos), inaugura nesta quarta-feira (1º) a sua fase política, em comissões que vão analisar a viabilidade do projeto quanto à estrutura hospitalar nacional.
A dificuldade dos “verdes”, bloco de parlamentares a favor da lei, de superar os “celestes”, que são contra, fez com que passassem a considerar alterações no texto já aprovado pela Câmara de Deputados.
Em troca dos votos que poderiam virar o jogo, devem aceitar que sejam incluídos nele os itens de objeção de consciência pessoal (do médico) e institucional (de hospitais), que se diminua de 14 para 12 semanas o período em que a interrupção da gravidez seja permitida, que se eliminem as sanções de prisão ou inabilitação dos médicos que não queiram praticar abortos e que se crie um fundo extra para financiar os procedimentos dentro do sistema estatal.
Se esses itens forem incluídos e o texto for aprovado, voltará à Câmara. Como pela lei argentina uma instância não pode rejeitar uma legislação que já aprovou, os deputados terão apenas as hipóteses de aprovar o projeto como vier do Senado, ou propor incorporar apenas alguns, o que dilataria o desenlace da novela.
Quem vem fazendo essa negociação com senadores e deputados é o líder peronista, Miguel Pichetto, a favor da medida. Se houver empate, porém, quem deve dar o voto definitivo é a vice-presidente e líder do Senado, Gabriela Michetti, que é antiaborto.
Se a lei for aprovada no Senado sem modificações, o presidente Mauricio Macri já disse que não a vetará, apesar de também se dizer contra o aborto.
Na Câmara, há certo incômodo com as possíveis mudanças no projeto original. Líderes da aliança governista, como Daniel Lipovetzky, e da oposição, como Victoria Donda, ambos a favor da descriminalização, vêm tentando convencer os deputados “verdes” de que é melhor aprovar o texto como vier do Senado do que estender a discussão.
Vários senadores consolidaram sua opinião após a semana de esclarecimentos, em que se ouviram argumentos de diversos especialistas.
O ministro da Saúde, o médico e pesquisador Adolfo Rubinstein, a favor do direito ao aborto, apresentou números. Disse que houve 47.063 hospitalizações de mulheres nos últimos cinco anos devido a abortos clandestinos e que 252 delas morreram em 2017. Concluiu sua apresentação dizendo que, nos países onde o aborto é legal, houve uma significativa redução do número de abortos, entre 1990 e 2014.
Entre as apresentações dos antiaborto, causou impacto a do médico Abel Albino, pediatra e membro da Opus Dei, que dirige a Fundação Conin, instituição que se dedica a cuidar de crianças carentes.
Apoiador de Macri, disse que “matar bebês é um crime” e que a Argentina ainda “precisa ser povoada, queremos mais bebês, não menos bebês”.
Nas ruas, a agitação não para. Na segunda (30), uma manifestação dos antiaborto marchou até a frente da Casa Rosada com bonecos de fetos gigantes —chamados Alma— e bandeiras da Argentina.
Havia também cartazes que diziam: “Macri, não o elegemos para que se aprovasse o aborto”, criticando o estímulo do presidente para que a lei fosse aprovada, apesar de ele sempre ter dito ser contra.
Nesta terça-feira (31), houve um “pañuelazo”, em que as mulheres saem com lenços verdes às ruas.
Sylvia Colombo