Aborto é inconstitucional?, por Supremo em Pauta

18 de outubro, 2016

É verdade que legalizar o aborto violaria a constituição? Minimizando o debate tradicional a respeito de moralidade, religião e estado laico, discriminação e o que é ou não é considerado uma vida, alguns afirmam, de forma simplista, permitir o aborto violaria a constituição.

(O Estado de S. Paulo, 18/10/2016 – acesse no site de origem)

Quem decide essa adequação constitucional, no nosso sistema, é o Supremo Tribunal Federal, e ele já foi provocado a respeito dessa questão, indiretamente, algumas vezes.

A ADPF 54 tratou da interrupção antecipada da gravidez em casos de fetos anencéfalos, e o tribunal entendeu que, não havendo expectativa de vida extrauterina, o feto não deve ser considerado uma vida. O principal argumento que se extraiu dessa decisão é o fato de que o conceito de “vida” colocado na CF não está definido e delimitado, há espaço para interpretação do que pode ser considerado vida ou não, ou a partir de que momento o feto é uma vida.

A ADI 3.510 tratou da permissão de uso de células tronco de embriões congelados in vítreo. As decisões dos ministros colocam diversos argumentos aplicáveis aos casos de aborto, em especial o argumento de que a vida e o sofrimento de uma concreta pessoa sobrepõem a de um embrião.

Observando esses casos, é possível afirmar que existem linhas interpretativas constitucionais válidas que viabilizam a legalização do aborto, tanto porque o feto não é sempre considerado uma vida, tanto porque a autonomia e direitos de uma pessoa concreta se sobrepõe aos de uma vida em potencial. Não é possível, então, afirmar categoricamente que legalizar o aborto viola a CF.

Rafael Divani do Val, aluno da Clínica de Litigância Estratégica FGV Direito SP

A Clínica de Litigância Estratégica da FGV Direito SP está estudando e trabalhando na ação sobre ações de saúde e zika vírus no STF.

Entenda a ação: ADI 5581

Novamente o Supremo Tribunal Federal deve decidir sobre o direito de escolha sobre a manutenção de gravidez face crise de saúde pública. Por meio da ADI 5581, a Associação Nacional de Defensores Públicos denuncia os extensos males relacionados a gestações sob ação do vírus Zika – tanto no que se refere às críticas condições de fetos com microcefalia e outras mazelas consequentes, quanto ao fardo que mulheres desfavorecidas devem carregar ao cuidar de tais crianças sem devido apoio público ou privado. Em suma, pleiteia-se tanto a interpretação de que a situação de mães infectadas pelo vírus se encaixa na exceção do art. 128, I e II, do Código Penal, quanto alterações na Lei Federal nº 13.301/2016 para que se readeque o nível de auxílio a mães que optarem pelo parto, passando ainda por uma série de propostas suplementares e correlatas de política pública.

Desta forma, é importante notar que o que se pleiteia é reação estatal suficiente a uma epidemia classificada pela Organização Mundial de Saúde como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O cerne da questão reside no altíssimo custo humano em forçar famílias a manterem uma gravidez com consequências das mais graves e com reduzidas chances de êxito. As únicas formas de contenção deste cenário calamitoso são (i) a transferência do custo ao Estado, por meio de políticas que de fato atinjam famílias mais desfavorecidas e com dotação orçamentária garantida, e (ii) a descriminalização da escolha entre manter ou não gravidez em caso de infecção pelo vírus, reconhecendo a variabilidade da proteção ao direito à vida ao longo da vida.

Klaus Rilke, aluno da Clínica de Litigância Estratégica da FGV Direito SP

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