(UOL Mulher, 11/02/2015) “Aborto e regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”. A frase dita pelo presidente da Câmara dos Deputados, em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, causou indignação aos que defendem a ampliação do direito ao aborto no Brasil, que já é reconhecido por lei em casos específicos, como riscos à vida da mãe e estupro.
Para Maria José Rosado, presidente da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, o parlamentar, que é evangélico, trata o assunto de forma pessoal em vez de representar a população em um caso que precisa olhar pela saúde da mulher.
“É uma questão de política e saúde pública. Ele não pode tratar o assunto com as convicções pessoais. Não é isso que se espera de um representante. Não pode, simplesmente, impor que não se falará mais sobre um assunto que causa a morte de milhares de mulheres”, afirma Maria José. “É obrigação do Estado dar condições para que elas possam dizer se querem continuar uma gravidez ou não. Para isso, precisamos discutir”.
Na opinião de Lenise Garcia, presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto, a declaração de Eduardo Cunha foi apenas para reforçar o que ele pensa, justamente para que o aborto não seja mais colocado em pauta, embora pense que, por termos legais, deve voltar à tona.
“A maioria dos deputados é contra, assim como não é o desejo da maioria da população [dados do Ibope de setembro de 2014 concluíram que 79% da população é contra a descriminalização]. Porém, já tivemos outros políticos defendendo esse crime, também com uma opinião pessoal. É muito mais grave colocar uma posição a favor desse assunto quando se é parlamentar, já que estamos falando de um crime”, disse ela, que acredita que a legalização pode encorajar mais mulheres a recorrerem à prática.
Embora seja difícil estimar o número anual de vítimas por consequência do aborto, o Ministério da Saúde enquadrou a causa como a quinta maior responsável por mortes de brasileiras.
Maria José afirma que a legalização não vai causar uma procura maior pelo recurso. Para ela, as consequências de um aborto feito em condições dignas não são nada perto das de uma gravidez indesejada levada adiante. “A ilegalidade não previne nenhum aborto. Quando uma mulher decide, ela faz”, diz. Segundo ela, discutir a ampliação da legalização do aborto só tem pontos positivos.
“Com a possibilidade de abordar legalmente em mais situações, teremos menos mulheres mortas ou aleijadas por isso, pois só assim elas terão acesso aos recursos necessários. Em vez de penalizar uma mulher por um aborto, deveríamos questioná-la sobre os motivos pelos quais ela quer ser mãe. No entanto, trata-se a maternidade como necessária, óbvia e automática, como se não houvesse um depois, que é a vida inteira do ser humano que vai nascer”, diz.
Segundo a última pesquisa feita pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), da UnB (Universidade de Brasília), em 2010, mais de uma a cada cinco mulheres alfabetizadas, que têm entre 18 e 39 anos, já praticaram pelo menos um aborto. Cerca de metade delas teve de ser internada por conta de complicações, como perfuração do útero. A prática é mais comum entre aquelas com menor escolaridade (23%), enquanto o percentual das que já concluíram o ensino médio é de 12%.
Para Cristião Rosas, presidente da comissão de violência sexual da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), o aborto instiga questões morais e religiosas e todas as opiniões devem ser levadas em consideração. Porém, como médico, ele diz que o mais difícil de encarar é o fato das mulheres mais vulneráveis, como adolescentes e com nível sociocultural baixo, serem as mais atingidas pelas piores consequências, já que as que têm condições financeiras podem recorrer a clínicas, dentro e fora do país, capazes de fazer o procedimento sem grandes traumas físicos.
“Respeito a opinião do deputado. Mas, acima de tudo, acredito que as pessoas precisam entender que não se trata de um caso de polícia, de penalização da mulher. Já temos evidências que comprovam isso. A descriminalização não vai impor o aborto a ninguém”, afirma o médico.
“Temos de deixar a mulher livre para decidir sobre a sua vida. Em algum momento, o Brasil precisará avançar em relação ao assunto, pois impor a todas as pessoas uma visão baseada apenas na religião não é justo, não é democrático”, diz ele, que também é fundador da Global Doctors for Choice no Brasil, uma rede médica pelo direito de decidir.
Legalização do aborto X criminalidade no país
Inspirado pelo economista norte-americano Steven Levitt, que relacionou a queda da criminalidade nos Estados Unidos à legalização do aborto, o brasileiro Gabriel Hartung, em 2009, que à época era mestrando em economia, teve sua tese na FGV (Fundação Getúlio Vargas) aprovada quando sugeriu que, aqui no Brasil, o fenômeno seria equivalente.
As estimativas do trabalho de Levitt mostraram que de 25% a 40% da redução da criminalidade dos EUA foi resultado do fim da proibição do aborto, implantada em 1973.
O artigo do brasileiro, disponível na biblioteca online da FGV, explica os fatores demográficos mais determinantes para a criminalidade 20 anos mais tarde no Brasil, usando dados dos municípios de São Paulo e de outros estados do país. E foram eles: a taxa de fecundidade, a porcentagem de mães adolescentes e a de crianças criadas sem o pai. O estudo concluiu que esses motivos são relevantes para explicar a variação de crimes violentos e contra o patrimônio.
Assim, segundo a tese, ter a chance de realizar um aborto em condições legais diminuiria a criminalidade 20 anos depois da legalização, pois, de acordo com as evidências colhidas pelo economista, a fração de jovens filhos de mãe solteira e/ou adolescente está relacionada às taxas de criminalidade.
Thais Carvalho Diniz
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