“O Brasil precisa, urgentemente, alterar seus dispositivos legais para fazer cessar o descompasso com o direito internacional”
(O Estado de S. Paulo, 14/11/2016 – acesse no site de origem)
Diversos órgãos e convenções internacionais indicam que o aborto é direito humano da mulher e que, enquanto não for regularizado, seus direitos fundamentais à vida, à integridade psíquica e à saúde são prejudicados. Um exemplo disso é o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que sempre se posicionou no sentido de que “os princípios fundamentais de igualdade e não discriminação exigem privilegiar os direitos da mulher grávida sobre o interesse de proteger a vida em formação”.[1]
As barreiras legais que impedem o acesso da mulher a tratamentos médicos adequados para a manutenção de sua vida e saúde, especialmente durante a gravidez, constituem um retrocesso na evolução pelos direitos femininos e uma afronta direta ao seu direito de igualdade e não discriminação.
Em um contexto onde o Estado não consegue controlar a epidemia do zika, por não entender o ciclo do vírus e as implicações da contaminação, tem o dever de amparar mulheres que engravidam de fetos com complicações neurológicas que decorrem da contaminação do vírus. A principal forma de amparo seria a adoção de políticas de aborto, já que obrigar uma mulher a gestar nesse cenário representaria verdadeiro atentado à sua sanidade psicológica.
O Brasil precisa, urgentemente, alterar seus dispositivos legais para fazer cessar o descompasso com o direito internacional. Deixar tudo como está significa fechar os olhos para violações continuadas de direitos humanos internacionalmente garantidos e obrigações internacionais contraídas e internalizadas pelo Estado brasileiro referentes a tais direitos.
Melina Siemerink Biasetto, aluna da Clínica de Litigância Estratégica da FGV Direito SP
[1] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Artavia Murillo e outros (“Fecundação in vitro”) vs. Costa Rica. Sentença de 28 de novembro de 2012. pp. 49.
A Clínica de Litigância Estratégica da FGV Direito SP está estudando e trabalhando na ação sobre ações de saúde e zika vírus no STF.
Entenda a ação: ADI 5581
Novamente o Supremo Tribunal Federal deve decidir sobre o direito de escolha sobre a manutenção de gravidez face crise de saúde pública. Por meio da ADI 5581, a Associação Nacional de Defensores Públicos denuncia os extensos males relacionados a gestações sob ação do vírus Zika – tanto no que se refere às críticas condições de fetos com microcefalia e outras mazelas consequentes, quanto ao fardo que mulheres desfavorecidas devem carregar ao cuidar de tais crianças sem devido apoio público ou privado. Em suma, pleiteia-se tanto a interpretação de que a situação de mães infectadas pelo vírus se encaixa na exceção do art. 128, I e II, do Código Penal, quanto alterações na Lei Federal nº 13.301/2016 para que se readeque o nível de auxílio a mães que optarem pelo parto, passando ainda por uma série de propostas suplementares e correlatas de política pública.
Desta forma, é importante notar que o que se pleiteia é reação estatal suficiente a uma epidemia classificada pela Organização Mundial de Saúde como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O cerne da questão reside no altíssimo custo humano em forçar famílias a manterem uma gravidez com consequências das mais graves e com reduzidas chances de êxito. As únicas formas de contenção deste cenário calamitoso são (i) a transferência do custo ao Estado, por meio de políticas que de fato atinjam famílias mais desfavorecidas e com dotação orçamentária garantida, e (ii) a descriminalização da escolha entre manter ou não gravidez em caso de infecção pelo vírus, reconhecendo a variabilidade da proteção ao direito à vida ao longo da vida.
Klaus Rilke, aluno da Clínica de Litigância Estratégica da FGV Direito SP