(Folha de S.Paulo, 28/02/2015) De tempos em tempos ganha destaque um caso de aborto que expõe a violência a que a clandestinidade da prática sujeita as mulheres. No mais recente deles, uma jovem de 19 anos usou comprimidos para interromper a gravidez, sentiu-se mal e procurou um médico.
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Em vez de receber tratamento humanizado, com direito a confidencialidade –como asseguram o Código Penal, o Código de Ética Médica e as normas técnicas do Ministério da Saúde–, foi denunciada pelo profissional que a atendeu.
Presa em flagrante, acabou liberada após pagamento de fiança, mas deverá responder a processo. Em tese, poderá sofrer condenação de um a três anos de detenção.
Polêmica, a criminalização do aborto divide a sociedade. Para uma parcela da população, o procedimento equipara-se ao assassinato –se não for mais grave, já que a vítima é tida como um inocente que não tem chance de defesa.
Para a outra porção, contudo, trata-se de direito inalienável da mulher. O embrião nos estágios iniciais da gestação não é vida plena, mas apenas em potência, e cabe à mulher decidir se quer ou não levar adiante o processo. Tal entendimento tem o apoio desta Folha.
Embora seja muito difícil que as pessoas mudem seus sentimentos em relação ao aborto, nada impede a busca de soluções capazes de tornar a discussão menos conflituosa e mais produtiva.
Apesar de haver um fosso separando as duas posições, existem objetivos comuns. O mais óbvio deles é reduzir o número de abortos. Mesmo os que defendem a plena liberdade da mulher para realizá-lo concordam que a prática representa uma espécie de último recurso.
Assim, outros métodos contraceptivos, bem como a ampla divulgação de informações sobre como utilizá-los, são preferíveis e devem ser disponibilizados para a população. Nessa lista estão incluídas, para os casos de emergência, a chamada pílula do dia seguinte.
Verdade que a doutrina oficial da Igreja Católica rejeita até a camisinha, mas a maioria das outras religiões e muitos dos católicos brasileiros não vão tão longe.
Na questão do encarceramento também cabe alguma solução de compromisso. Poucos defendem que o lugar das mulheres que tentam o aborto é a cadeia. Isso abre espaço para discutir modificações na lei, de modo a eliminar as penas privativas de liberdade.
Por fim, deve-se considerar a realização de um plebiscito a respeito da matéria, criando oportunidade para que os dois lados exponham seus argumentos e deixando a população dar a palavra final.
Acesse o PDF: Aborto polêmico (Folha de S.Paulo, 28/02/2015)