(CartaCapital, 10/11/2015) Estigma, mulheres, direitos reprodutivos e os sentimentos após o diagnóstico do HIV. Por Priscilla Soares, na campanha #AgoraÉQueSãoElas
Ceder este espaço, de grande visibilidade, para que uma mulher fale de questões importantes ao feminismo é a ideia central da campanha #AgoraÉQueSãoElas, e tenho grande prazer em colaborar.
Não apenas porque considero importante dar maior visibilidade às pautas das mulheres, mas também porque o que elas têm a dizer é aquilo que eu também tenho a dizer.
Hoje o espaço é da Priscilla Soares, pesquisadora com um importante trabalho sobre DST/Aids, Sexualidade, Gênero e Relações Raciais para a formulação de políticas de atendimento à saúde pública.
Aids: Silêncio e invisibilidade
O vírus da Aids foi apontado pela Organização Mundial da Saúde, em 2009, como a principal causa de morte entre mulheres em idade reprodutiva no mundo. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, a taxa de infecção entre mulheres jovens é duas vezes mais alta do que em homens na mesma faixa etária. O cenário indica não apenas a maior vulnerabilidade biológica da mulher ao HIV, mas as implicações das desigualdades socioeconômicas e de gênero.
Grande parte dos diagnósticos é realizado durante a gestação, nos exames pré-natais. Em muitos casos eles ocorrem na maternidade, de forma compulsória, não sigilosa e num contexto marcado por julgamentos morais por parte da equipe de saúde.
O diagnóstico é o primeiro contato com as representações sociais do HIV, que se misturam à simbologia da maternidade e seu valor no campo do feminino, a reflexão sobre ameaça à própria vida e à do filho, os sentimentos de culpa e medo.
Esse é o sentimento mais forte. Medo de morrer, de adoecer, de sofrer ou de trazer sofrimento às pessoas próximas, de não poder cuidar dos seus filhos, da discriminação, do abandono do parceiro e da família. Ele é fruto da ausência de segurança nas relações afetivas, na sua força de trabalho, na fonte de recursos materiais.
Ao revelarem sua condição, essas mulheres são obrigadas a gerir o estigma. No que tange às relações afetivas e sexuais, as mudanças são ambíguas. Alguns casais estabelecem um forte vínculo. Mas muitas mulheres sofrem com abandono e violências física e psicológica.
A experiência da estigmatização varia de acordo com outras identidades sobrepostas, como classe, raça, gênero, sexualidade. Entretanto, a marca de serem gestantes soropositivas as expõe ao julgamento moral não somente por serem portadoras do HIV, mas pelo risco à vida do filho.
É preciso compreender os modos pelos quais mulheres enfrentam esses problemas. Alguns estudiosos enfatizam o peso da pobreza e dos abusos, ao enquadrá-las como vítimas impassíveis de fatores sociais e culturais. Mas elas não devem ser tratadas desta forma, e sim como agentes que perseguem estratégias criativas e efetivas.
A invisibilidade só será superada quando as mulheres não forem mais tratadas como objetos e números. É preciso desconstruir as relações de poder entre homens e mulheres, pacientes e profissionais de saúde que impõem comportamentos que marginalizam. É preciso atuar nos demais processos de discriminação provocados pelas hierarquias socioeconômicas e de gênero, que influenciam o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.
Espaço cedido na coluna de Jean Wyllys
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