Milhares de irlandesas são obrigadas a viajar ao exterior para interromper a gravidez e escapar de prisão.
(G1, 25/05/2018 – acesse no site de origem)
No quarto referendo para alterar a legislação, o aborto novamente divide os irlandeses de forma dramática. Qualquer que seja o resultado da votação para derrubar uma emenda que dá ao feto o mesmo direito à vida do que sua mãe, ele terá um impacto decisivo para a mulher irlandesa e também para o influente lobby anti-aborto, que ecoa dentro e fora do país.
Para os movimentos pró-vida, a Irlanda sempre funcionou como um bastião, uma espécie de trunfo dentro da União Europeia, por sua legislação extremamente rigorosa à mulher que interrompe a gravidez. Para não se arriscar a uma pena de 14 anos de prisão, ela é obrigada a viajar, para fazer um aborto em clínicas da Inglaterra.
Cerca de 180 mil mulheres fizeram esta rota desde 1983, quando foi introduzida, por meio de um referendo, a oitava emenda, que está em jogo neste referendo.
Nos últimos dias, no entanto, esgotaram-se as passagens dos voos entre Londres e Dublin: são irlandesas que fazem o caminho inverso, para tentar derrubar a emenda e dar ao Parlamento o poder de legislar sobre o aborto.
Cerca de 80% dos irlandeses são católicos. O prestígio da Igreja, contudo, foi abalado por sucessivos escândalos. As feridas causadas por abusos sexuais envolvendo padres e pela revelação das chamadas Lavanderias Madalena, onde mães solteiras eram mantidas como escravas, ainda não cicatrizaram. Por isso, desta vez, a Igreja, manteve-se discreta e fora da campanha.
A radicalização traduziu-se numa intensa campanha, com debates ferozes e anúncios controversos. O campo do “Não” estreitou a vantagem do “Sim” com um argumento poderoso: o de que a legalização provocará um aborto maciço de fetos com síndrome de Down.
Partidário do “Sim”, o primeiro-ministro, Leo Varadkar, entrou em ação, acusando a campanha adversária de criar confusão e assegurando que, na legislação proposta pelo governo, as síndromes não serão parâmetros para a interrupção da gravidez.
Extremamente conservador, o país dá sinais de mudanças. Nos últimos anos, aprovou o casamento entre homossexuais e elegeu Varadkar, seu primeiro premier assumidamente gay.
Se revogar a emenda que até agora só fez exportar abortos para fora de suas fronteiras, a Irlanda entra em outro patamar. Avança na direção da grande maioria dos países da União Europeia e deixa para trás apenas Polônia e Malta.
Sandra Cohen é jornalista especializada em assuntos internacionais. Foi editora de Mundo do jornal ‘O Globo’ durante 14 anos, de 2004 a 2018. Twitter: @Sandracoh