O impacto do acolhimento e da informação na hora do parto é enorme diante de uma realidade brasileira que ainda, tristemente, ostenta altos índices de violência obstétrica. A pesquisa “Nascer no Brasil”, da Fiocruz, mostra números impressionantes: 36% das entrevistadas sofreram manobra de Kristeller em seus partos (pressão no útero para saída do bebê), a qual é contraindicada pelo Ministério da Saúde.
(Ecoa/UOL, 15/02/2020 – acesse no site de origem)
As cesarianas sem base científica também são expressivas no país. Por aqui, 55,5% dos nascimentos são por cesárea; em hospitais particulares, o índice pode atingir 84%. Nos EUA, outro país com porcentagens elevadas, o número não passa de 33%.
Conhecidas por serem profissionais que atuam diretamente na garantia do respeito à gestante, oferecendo métodos não farmacológicos de alívio da dor e escuta sobre o que a mulher deseja, as doulas se multiplicam pelas cidades graças a cursos de formação em coletivos, que as preparam para atender em casas de parto, hospitais e em partos domiciliares.
Danie Sampaio, 36, é doula e atende na Casa Angela, casa de parto do SUS na zona sul de São Paulo. Para ela, todas as gestantes merecem um parto humanizado e sua atuação vem para garantir que mulheres periféricas também tenham acesso à informação do que é um parto seguro e descubram como querem passar por esse momento. “Sou irmã mais velha de outras duas mulheres, sempre fui responsável, costumava acolher as angústias e me preocupar com elas. Acabei me tornado doula, já era amiga, comadre, foi consequência”, conta.
Desde 2017 está em vigor a lei municipal que garante a presença de doulas em hospitais do município de São Paulo. No Rio de Janeiro, a lei é estadual e vale para todos os hospitais.
Danie enfatiza que o estudo é constante, já que é necessário se capacitar para a amamentação, o pós parto e todas as questões que cercam a gravidez. Ela se formou no Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA), que ministra aulas de doulagem na capital paulista. Com certificado na mão, Danie fundou a Mãe na Roda, rede de apoio a gestantes no Campo Limpo, em São Paulo.
No primeiro ano, acolhemos 500 gestantes da região. Nossas rodas de conversa sobre o pré-natal e vivências artísticas deixam as mulheres à vontade para falar como estão se sentindo durante a gravidez. Nos tornamos uma referência para elas, muitas saem dali querendo se tornar uma doula também”.
“Pague o quanto puder”
Uma alternativa para mulheres que querem se tornar doulas e estão com o orçamento apertado, é a Coletiva Multiplicando Doulas, que promove o sistema colaborativo “pague o quanto puder” em suas formações.
“Não estipulamos valor para os cursos. Para nós, é a pessoa interessada que avalia sua atual realidade para poder definir quanto pode pagar”, explicam as integrantes da Coletiva, formada por dez doulas.
Os cursos de formação acontecem na capital e no interior de São Paulo, e capacitam a profissional para auxiliar desde a gestação até o pós-parto. A doula acompanha a mulher desde o início e ajuda nas opções de locais para o momento do nascimento da criança, assim como indica profissionais que possam prestar uma assistência respeitosa. No parto, trabalham com massagem, aromaterapia, além de se preocupar em alimentar e hidratar a gestante para que ela se sinta nutrida e tenha energia.
Qualquer pessoa pode realizar a formação, sendo profissional da área da saúde ou não. A única exigência da Coletiva Multiplicando Doulas é idade mínima de 18 anos.
A doula Julia Guadagnucci, 24, se certificou na Multiplicando Doulas e, para ela, a pluralidade de realidades presentes entre as alunas foi o ponto alto durante a formação. “Foi um aprendizado enorme porque hoje atendo mulheres muito diferentes. Desde o curso, trabalhamos muito a escuta, aprendemos a entender o outro e sentir suas necessidades”.
Encontre uma doula
Ministrado por uma equipe multidisciplinar, com enfermeiras, obstetrizes, médicas e doulas, o curso de doulagem do grupo de apoio à gestação ComMadre, no Tatuapé, envolve conteúdo teórico, prático e um estágio monitorado no Hospital da Luz.
O lugar ainda promove assistência coletiva, que viabiliza o atendimento para muitas pessoas que não conseguem arcar com o valor individual de uma doula – que varia de R$ 1000 a R$ 2000. “Oferecemos encontros de gestantes e casais, em que uma doula tira dúvidas uma vez na semana”, conta a obstetriz Karina Trevisan, que integra a equipe e resume o impacto da presença da doula no parto:
Ela permite que a mulher tenha voz – o que muitas vezes é silenciado e ignorado durante a gestação e o parto. A doula estimula a autoestima da gestante, fazendo-a acreditar na sua capacidade e lembrando sempre que ela é a protagonista do seu parto”.
Por Paula Calçade,
Colaboração para Ecoa