(Agência Aids, 20/11/2015) As mulheres negras estão sempre vulneráveis a vários agravos e mortes, isso não ocorre ao acaso, mas por conta do racismo e do sexismo que atuam de forma estruturante em suas vidas. Desta forma, as experiências vividas ocorrem de forma diferenciada por acumular duas ou mais opressões que se articulam.
E quando se pensa em exposição ao HIV, são as mulheres negras com menor escolaridade e renda que estão mais vulneráveis ao agravo. Além disso, elas também têm dificuldades institucionais no acesso ao diagnóstico e ao tratamento.
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De acordo com as Nações Unidas, o Brasil foi um dos primeiros países, dentre os de baixa e média renda, a fornecer tratamento gratuito para pessoas que vivem com HIV/aids, sendo uma das maiores coberturas de tratamento antirretroviral. Isso se deve a política de acesso universal preconizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Consequentemente, o país teve uma queda acentuada na taxa de mortalidade associada à aids.
Entretanto, ao considerar as especificidades da população de acordo com as suas características múltiplas de raça/cor, sexo, idade, região e território vemos que, apesar da política de acesso ser universal, o alcance não é para todas as pessoas, por conta das iniquidades raciais e de gênero que estruturam o acesso e a utilização do serviço de saúde.
Para Lopes et al (2007) as mulheres negras não tiveram garantia de um atendimento integral e equitativo como preconiza o SUS. O seu estudo mostrou que há diferenças na relação com os profissionais entre raça/cor das mulheres e “facilidade em entender o que o infectologista diz”, “facilidade em falar com o infectologista sobre a vida sexual” e “facilidade em falar com o ginecologista sobre a vida sexual, sendo que em 25% dos casos, as negras relataram entender às vezes ou nunca o que o infectologista dizia; para as não-negras, a percentagem foi de 8,8%.
O profissional de saúde tem obrigação de garantir o direito à informação das/os usuárias/os do serviço, pois a falta de informação ou uma informação sem a compreensão correta poderá prejudicar a prevenção, o tratamento e o cuidado da saúde integral.
A relação interpessoal do profissional de saúde com uma pessoa de raça/cor negra, muitas vezes, é estruturada pela discriminação racial e estereótipos históricos e socialmente construídos sobre a população negra, pois é recorrente que estudos sobre racismo na saúde apresentem que as pessoas, homens e mulheres negros/as, ao serem atendidos no serviço de saúde, têm a consulta mais rápida, com menos contatos físicos e muitas vezes sem resolutividade do agravo.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde ? PNDS (BRASIL, 2008) sobre a oferta de teste para o HIV no pré-natal; 79,7% das mulheres negras referem que foi ofertado a elas o teste, enquanto brancas eram 84,7% — sabe-se que o teste do HIV no pré-natal faz parte do grupo de exames obrigatórios durante a consulta, seguindo os protocolos do Ministério da Saúde.
Esses dados nos remetem ao racismo institucional que é o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. CRI (2006, p.22).
A barreira institucional funciona como uma rede que se ramifica impedindo o acesso das mulheres negras e piorando o seu processo de adoecimento, vulnerabilizando-as nas diversas entradas dos serviços de saúde, desde a oferta de preservativos no planejamento reprodutivo, dos exames para o HIV no pré-natal, assim como no diagnóstico e tratamento, que seu retardo e o acesso precário serão os principais fatores do agravamento da doença e da morte precoce.
,E para finalizar, é importante destacar que o acesso e a utilização dos serviços e insumos de saúde são condições importantes para a manutenção de bom estado de saúde ou para seu restabelecimento, embora não sejam os únicos fatores responsáveis por uma vida saudável e de boa qualidade.
*Emanuelle Goes é enfermeira, blogueira, doutoranda em Saúde Pública pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Mestra em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia com concentração em Gênero, Cuidado e Administração em Saúde, na Linha de Pesquisa Mulher, Gênero e Saúde. É integrante do MUSA – Programa de Estudos em Gênero e Saúde (ISC/UFBA) e do Grupo de Pesquisa Saúde da Mulher, Enfermagem, Gênero, Raça e Etnia (Escola de Enfermagem/UFBA). Odara – Instituto da Mulher Negra.
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