Coronavírus impõe distância a pai, avós e doulas, e grávidas temem um parto solitário

29 de março, 2020

Ainda são poucos os estudos científicos sobre os riscos do novo coronavírus para as gestantes

(Celina/O Globo, 29/03/2020 – acesse no site de origem)

SÃO PAULO E RIO – No dia mais importante de sua vida, Débora Miranda não tinha ninguém segurando sua mão. Quando deu à luz o pequeno Théo, no último dia 20, a analista de contratos de 34 anos estava sozinha num centro cirúrgico gelado, sem nenhum rosto familiar por perto. Não conseguiu que o marido cortasse o cordão umbilical, como tinham planejado. Seu companheiro, por sua vez, conheceu o bebê no berçário, “já de fraldas”. Em tempos de coronavírus, parir tornou-se um ato de incerteza.

Débora vive em Campo Grande (MS). Adepta do parto humanizado, sonhou em ter seu filho de forma natural. Em seus planos, queria estar acompanhada por uma doula, para lhe aliviar as dores. Dias antes de ter as primeiras contrações, descobriu que os hospitais públicos da cidade estavam adotando novas regras, na tentativa de proteger outros pacientes da Covid-19, a doença causada pelo vírus. Ao entrar em trabalho de parto, começaram as surpresas.

— Na porta do hospital, a doula não pôde entrar. Depois de 30 horas tentando ter um parto normal, partimos para a cesárea. Foi quando o médico disse que meu marido não poderia entrar. Ali acabou, foi o fim para mim — diz Débora, que foi levada chorando ao centro cirúrgico. — Me desesperei, mas o medo, a dor e a fé se misturaram.

Durante a mais alarmante das pandemias recentes, nem mesmo o direito de ter um acompanhante durante o parto, previsto em lei federal, é algo certo. Parte das consultas de pré-natal se tornaram virtuais. Alguns exames estão sendo deixados de lado. Chás de bebê foram cancelados. Massagem, acupuntura, exercícios físicos e outras formas de aliviar o desconforto da gravidez e se preparar para o parto estão suspensos. Visitas nos hospitais foram vetadas. Até mesmo os avós e familiares próximos têm de conhecer o novo membro da família só meses depois.

Risco para gestantes ainda é desconhecido

Ainda são poucos os estudos científicos sobre os riscos do novo coronavírus para as gestantes. Até agora, sabe-se que mulheres grávidas não são mais suscetíveis à Covid-19 e não passam a doença para o bebê pela placenta, a chamada transmissão vertical. O vírus tampouco é transportado pelo leite. Embora as evidências não sejam das mais catastróficas, há muitas dúvidas sobre as novas condutas a serem adotadas. O consenso entre os especialistas é que essas mulheres devem aderir ao confinamento.

Por causa de uma gravidez de risco, a odontopediatra Daniele Cassol Arruda, de 34 anos, estava há dois meses de repouso absoluto em casa. Comemorava a alta médica quando sua obstetra lhe deu a notícia do começo do isolamento por causa do coronavírus. Ela, que está com 38 semanas e pode dar à luz a Olivia a qualquer momento, conta que só sai do confinamento para fazer exames e visitar a obstetra. Daniele vive com medo. Ressente-se porque não poderá contar com sua mãe nas próximas semanas. Sua família mora no Rio Grande do Sul e teve de cancelar a viagem ao Rio, onde ela vive.

— Sempre imaginei que esse momento seria sublime. Mas não terei nenhuma visita — disse, emocionada.

A escalada da epidemia e a rotina inédita imposta pelo novo coronavírus têm ocupado tanto a atenção das futuras mães que pouco tempo sobra para curtir os preparativos para a chegada dos bebês. Thayane Moreira Vieira, de 29 anos, está grávida de 26 semanas e gostaria apenas de se entreter com os chutinhos e se ocupar com a arrumação do quarto da filha Luiza. Agora, se sente ansiosa e diz que teme por ela, pelo bebê e pelos avós, que moram na casa ao lado da dela, no mesmo terreno. Precisa ficar de olho para eles não chegarem ao portão a toda hora. Os dois têm idade avançada, já tiveram câncer e sofrem de alguns problemas de saúde, como diabetes e hipertensão.

— Tenho medo de ficar doente por vários motivos. Mesmo que se fale que não acontece nada com a bebê, fico preocupada. Além disso, não podemos tomar qualquer remédio — pondera ela, que está em isolamento há duas semanas. — Não saímos nem para comprar pão. Tenho feito visitas aos meus avós, vou até a janela da casa deles, mas não entro. De longe, eles veem minha barriga.

Por Aline Ribeiro e Carol Knoploch. Colaborou Rodrigo Berthone.

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