Corte Interamericana de Direitos Humanos condena El Salvador em caso histórico sobre acesso ao aborto

06 de janeiro, 2025 O Globo Por San José e Costa Rica

Segundo a decisão, o Estado salvadorenho violou ‘os direitos à integridade pessoal, à vida privada e à saúde’ ao impedir uma mulher de interromper a gestação apesar dos riscos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou El Salvador por recusar autorização para a realização de um aborto em uma mulher, apesar dos riscos à sua vida e de o feto ter recebido o diagnóstico de anencefalia (quando há ausência de desenvolvimento cerebral). Ocorrido em 2012, o caso de Beatriz, um nome fictício para proteger sua intimidade, foi o primeiro do tipo a ser analisado pelo tribunal e pôs em xeque as políticas salvadorenhas para o aborto, considerado um crime gravíssimo que pode levar a penas de algumas décadas de prisão.

Na decisão, a CIDH afirmou que “o Estado [salvadorenho] é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, à vida privada e à saúde de Beatriz” e estipulou a obrigação das autoridades de adotarem novas diretrizes relacionadas a gestações de risco, incluindo no campo judicial.

“A condição médica subjacente de Beatriz exigia um dever especial de proteção por parte do Estado, por meio da prestação de assistência médica diligente e oportuna”, e ela não o recebeu, disse a sentença.

El Salvador terá um ano para apresentar um relatório ao tribunal sobre as ações realizadas. Na decisão, a corte reconheceu que país já mudou alguns de seus protocolos para gestantes, mas que “ainda há lacunas na regulamentação para o atendimento adequado e tempestivo de casos como o de Beatriz.”

— O Estado pode cumprir essa medida por meio da adaptação de protocolos existentes, da expedição de novo protocolo ou de qualquer outra medida regulatória que garanta segurança jurídica no atendimento em situações como as do caso analisado — afirmou, em entrevista coletiva, o desembargador Rodrigo Mudrovitsch, vice presidente da CIDH, citado pelo serviço em espanhol da rede CNN.

O governo de El Salvador não se pronunciou.

Esta foi a primeira vez que o tribunal, baseado na Costa Rica, analisou um processo relacionado ao direito ao aborto, envolvendo um país onde a interrupção da gravidez é tratada de forma extrema, especialmente para as mulheres que passam pelo procedimento.

A mulher mencionada no tribunal como Beatriz, de 22 anos, foi diagnosticada com lúpus, uma doença autoimune, e médicos declararam que sua gestação trazia riscos à sua vida. Ao mesmo tempo, com 12 semanas de gravidez, exames demonstraram que o feto tinha um quadro de anencefalia, com poucas chances de sobreviver fora do útero.

Um pedido para a realização do aborto foi rejeitado pela Corte Constitucional. Passados 81 dias da petição, ela entrou em trabalho de parto com 26 semanas de gestação e teve de ser submetida a uma cesariana de emergência. O bebê morreu cinco horas depois.

— Não está certo o que me fizeram, me fizeram sofrer — disse Beatriz, em entrevista à AFP em 2013, quando estava internada em um hospital.

Beatriz morreu em 2017, em um acidente de carro.

— O que queremos de verdade é que outras mulheres não sofram o que minha irmã sofreu — disse, em 2023, o irmão de Beatriz, em entrevista à AFP.

A decisão desta sexta-feira foi celebrada por grupos de defesa dos direitos das mulheres.

— A justiça triunfou. Estamos felizes. Hoje, 20 de dezembro, é um dia que entrou para a história da justiça reprodutiva para as mulheres — disse à AFP Angélica Rivas, advogada da Colectiva Feminista.

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