Cresce apoio à descriminalização do aborto, aponta pesquisa Datafolha

30 de dezembro, 2017

A maioria dos brasileiros, 57%, acredita que a mulher deve ser punida e ir para a cadeia por fazer um aborto, segundo pesquisa Datafolha. Mas a taxa de brasileiros favoráveis à descriminalização da prática aumentou no último ano, passando de 23% para 36% –7% dos entrevistados não souberam se posicionar.

(Folha de S.Paulo, 30/12/2017 – acesse no site de origem)

As opiniões não variam de acordo com o sexo do entrevistado –58% dos homens e 56% das mulheres são favoráveis à punição– o que é considerado um empate, já que a margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Em caso de estupro ou de risco de morte da mãe, quando o aborto já é permitido por lei, os brasileiros se mostram mais abertos à interrupção da gravidez. Para 61%, a mulher que corre esse risco deve ter o direito de abortar e, para 53%, a interrupção deve ser permitida para vítimas de estupro.

O levantamento foi realizado com 2.765 pessoas, em 192 municípios do país, nos dias 29 e 30 de novembro.

Quanto mais jovem, escolarizado e com maior renda familiar, mais favorável à descriminalização do aborto.

Os brasileiros de 16 a 24 anos são os mais contrários à punição: 44% acham que a mulher não deve ir para a cadeia por abortar. A taxa cai para 30% entre pessoas de 45 a 59 anos –61% deles defendem que o aborto deve continuar sendo um crime.

A apoio à descriminalização aumenta de acordo com o nível de escolaridade. Para apenas 34% das pessoas com ensino superior, a mulher deve ser punida por abortar, contra 71% entre brasileiros com ensino fundamental. Entre brasileiros com renda familiar mensal superior a dez salários mínimos, 70% apoiam a descriminalização. Já entre os que ganham até dois salários mínimos, essa taxa é de 26%.

O Nordeste e o Norte são as regiões mais favoráveis à punição da mulher: 66% e 65%, respectivamente, acreditam que o aborto deve ser crime. Já o Sudeste e Sul são as regiões mais abertas à descriminalização: 44% e 41% apoiam a medida, respectivamente.

Entre evangélicos, 65% acreditam que a mulher deve ir para prisão por abortar, e apenas 29% discordam. Já entre os ateus, os favoráveis à punição são somente 17% –83% são contrários.

CONGRESSO

Para a cientista social Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), o aumento do apoio dos brasileiros à descriminalização do aborto se deve, em parte, ao avanço da PEC 181 na Câmara.

A proposta de emenda constitucional, que reacendeu o debate em novembro, poderia restringir o aborto mesmo em casos hoje legais, como estupro e risco de morte da mãe. A PEC trata de licença-maternidade, mas deputados incluíram um artigo que altera a Constituição e determina que a vida começaria na concepção.

Atualmente, a proposta tem poucas chances de avançar na Câmara, já que o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não deve pautá-la. Mesmo que siga para votação, precisaria ser aprovada em dois turnos com 308 votos –o que líderes partidários consideram difícil– e depois teria que ser aprovada duas vezes no Senado.

“O esforço dos parlamentares em retirar os direitos que já conquistamos, em específico o permissivo para aborto legal no caso de estupro, foi um tiro que saiu pela culatra. Abriu o debate e permitiu que as pessoas entrassem em contato com esse tema”, diz a cientista social.

Para a advogada e pesquisadora da Anis –Instituto de Bioética, Gabriela Rondon, a PEC pode gerar “insegurança jurídica”. “Impedir o avanço da proposta neste ano foi uma vitória bastante importante.”

MOVIMENTO

Já a professora de biologia da UnB e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida, Lenise Garcia, defende a PEC. Para ela, a proposta não impediria o aborto nos casos já previstos em lei.

“O nosso Código Civil faz menção ao direito à vida desde a concepção, e o Código Penal já considera o aborto um crime. Então não é uma modificação, simplesmente torna mais explícito e mais difícil uma interpretação em outro sentido, principalmente por parte do STF”, afirma.

Segundo ela, o movimento é contrário ao aborto, mas não reivindica alterações em relação aos casos já legalizados. “O aborto nunca é a melhor solução, nem para a criança nem para mãe. Mas uma mulher que foi estuprada e faz o aborto não tem que ser punida por isso”, diz.

O presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Hermes Rodrigues Nery, aprova a ideia da PEC. “A vida deve ser valorizada, acolhida, protegida e amada desde o primeiro instante, da concepção até a morte natural”.

Além da PEC 181, há outros projetos sobre o tema. O CFEMEA destacou seis que considera mais preocupantes para o movimento feminista.

“Tem 4 PECs e 2 PLs [projetos de lei] que são muito arriscados e significam um retrocesso total, estamos em alerta máximo. Esses projetos ameaçam os três casos em que o aborto é permitido no Brasil: para feto anencéfalo, estupro e risco de vida da mãe”, afirma Jolúzia Batista.

SUPREMO

Movimentos de ambos os lados também estão de olho no Supremo Tribunal Federal, onde duas ações sobre o tema podem ser julgadas. O STF já decidiu anteriormente que o aborto de anencéfalos não é crime e, em 2016, julgou um caso específico de habeas corpus, que revogou a prisão preventiva de cinco acusados de trabalhar em uma clínica clandestina.

Na ocasião, a primeira turma do STF entendeu que o aborto até três meses de gestação não era crime. A decisão vale apenas para o caso em questão, mas foi considerada um passo à frente na descriminalização do aborto.

Atualmente, o tribunal pode julgar a possibilidade de aborto em casos em que a mãe seja diagnosticada com zika, bem como a descriminalização nas 12 primeiras semanas de gestação. “Criminalizar só aumenta o medo, o risco e a gravidade da prática, porque as mulheres continuam fazendo. Criminalizar piora até o levantamento de informações sobre o aborto e reduz as possibilidades de prevenção, porque torna o tema um tabu”, diz a cientista social.

Já professora de biologia da UnB afirma que as 12 primeiras semanas são um “limite arbitrário”. “Não há embasamento científico para isso, não há diferenças significativas entre uma semana e outra. O ser humano surge na fecundação, quando as características genéticas são definidas”.

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