(HuffPost Brasil, 18/01/2016) “Legaliza! O corpo é nosso! É nossa escolha! É pela vida das mulheres!”
Este foi o grito que marcou 2015 quando o assunto foi a luta pelo direito ao aborto e direito ao atendimento adequado em casos de estupro.
Milhares de mulheres se reuniram ao decorrer do ano para protestar contra o projeto de lei 5.069, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que quer restringir o acesso de mulheres que sofreram violência sexual ao atendimento adequado.
As manifestantes aproveitaram a ocasião para ampliar o escopo das reivindicações e pediram em alto e bom som a descriminalização do aborto, independentemente das circunstâncias da gravidez.
Entre os protestantes, estava Ana, com sua filha de 2 anos no colo. Mas o que uma mãe está fazendo em uma marcha pró-aborto com uma criança pequena?
“Eu tive minha filha porque eu quis. Eu estou aqui porque quero ter o direito de escolher sobre o que fazer com meu corpo e minha vida. Assim como quero que minha filha também possa escolher.”
O direito de escolha pela interrupção da gravidez é garantido em diversos países no mundo. No entanto, no Brasil, a questão vem tomando rumos retrógrados, já que o País vive um momento de radicalismo conservador, influenciado principalmente por dogmas religiosos transparecidos nas bancadas do Congresso.
Há ainda uma política perversa de manipulação do perfil da população brasileira, uma vez que a ausência de planejamento familiar e o nascimento de filhos indesejados perpetua a pobreza em famílias com pouco ou nenhum acesso à informação e, por isso mesmo, mais sujeitas ao mandonismo politico.
Ainda que o aborto clandestino seja a quinta maior causa de morte de mulheres no território brasileiro – principalmente entre as camadas mais pobres da população -, de acordo com dados do Ministério da Saúde, a discussão sobre o tema não consegue romper as fronteiras da religião e, paradoxalmente, tem se restringido a casos de polícia. Figurativamente, é como se “Deus” proibisse o aborto e mandasse a polícia punir as mulheres criminosas. Entretanto, policiais respondem ao Estado laico; não a Deus.
O problema é que o peso da interferência da religião no Estado brasileiro tem tido o mesmo peso que, por exemplo, o Islamismo radical em países árabes e africanos. O paradoxo é que, nessas localidades, o Estado é declaradamente teocrático, ou seja, é controlado pela religião, assim como o é o Vaticano (Catolicismo) e Israel (Judaísmo).Já no Brasil, a Constituição federal determina a laicidade do Estado.Então, por que a religião continua a determinar as ações políticas brasileiras? Essa é uma pergunta cuja resposta define a vida e a morte de milhares de mulheres por ano no Brasil, como consequência primeira do aborto ilegal.
Os números gerais de abortos realizados no Brasil são indefinidos, obviamente.
O sistema de saúde do País só computa os dados em que o aborto é permitido por lei: estupro (se o PL 5.069 não for aprovado), risco de morte para a gestante, e anencefalia do feto (autorizado pelo Supremo Tribunal Federal somente em 2012).
Dados oficiosos oscilam entre 700 mil e 1 milhão de abortos por ano,dependendo da instituição ou organização não-governamental que apura. Por outro lado, alguns números oficiais do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde apontam o quão nefasto é o aborto inseguro: são realizadas 200 mil curetagens no Sistema Único de Saúde (SUS) anualmente, em procedimentos pós-aborto inseguro. Pelo menos, 200 mulheres morrem por ano após abortamento mal sucedido.
Esses números aproximados assustam quem precisa decidir sobre abortar? E a ira de “Deus”? O risco de ser presa? Talvez. Pesquisa realizada em 2010, pela Universidade de Brasília, apurou que, aos 40 anos, uma em cada cinco brasileiras já fez pelo menos um aborto. A maioria delas tinha um relacionamento estável e já era mãe. Coragem? Desespero? Só essas mulheres sabem seus motivos. Por outro lado, nenhuma pesquisa até hoje apurou quantas crianças nasceram, mas eram indesejadas.
A criminalização do aborto não protege a vida, não salva almas. A criminalização do aborto cerceia o livre arbítrio, inerente ao ser humano. Como Ana, as mulheres brasileiras não querem abortar. Elas querem ter o direito de escolher interromper a gravidez ou não.
Para quem já escolheu pela interrupção da gravidez, a organização social internacional safe2choose fornece informação sobre aborto seguro e medicamentos de qualidade, adotados em muitos países do mundo. Para quem ainda está em dúvida, a equipe da safe2choose oferece aconselhamento gratuito, seguro e sigiloso para este momento delicado da vida de uma mulher.
*Laelya Longo é jornalista e ativista da causa pró-aborto.
Acesse no site de origem: Criminalizar o aborto não protege vidas, nem salva almas, por Por Gleyma Lima e Laelya Longo (HuffPost Brasil, 18/01/2016)