Os dados do Datasus apoNtam um crescimento de quase 10% na quantidade de internações devido à interrupção da gravidez, de janeiro a setembro deste ano
(D24am, 04/12/2016 – acesse no site de origem)
Após sofrerem um aborto, 3.349 gestantes tiveram que ser internadas neste ano, de janeiro a setembro, no Amazonas, segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), do Ministério da Saúde (MS). A quantidade de internações cresceu quase 10%. Além disso, por dia, 11 mulheres perderam um bebê, em média, segundo a Sociedade Amazonense de Ginecologia e Obstetrícia (Assago), com a maioria dos abortos sendo provocados, e não espontâneos.
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Em todo ano passado, 4.036 mulheres foram internadas nos hospitais públicos e particulares em decorrência de um aborto. Segundo o MS, os dados compõem abortos espontâneos, abortos por razões médicas e outras gravidezes que terminam em aborto.
A maior parte das interrupções de gestação, 64%, ocorreram na capital. Segundo o Datasus, em 2016, 2.092 grávidas deram entrada no serviço de saúde por este motivo.
Após sofrer o aborto de forma inexplicada, a professora de 26 anos, que preferiu não se identificar, conta que sentiu que a culpa da perda da criança tinha sido dela. Segundo a professora, ela demorou a identificar a gravidez e fez exercícios na academia no primeiro trimestre da gravidez.
“Nós estávamos tentando engravidar, eu e o meu marido, mas já fazia tempo que tinha parado com o anticoncepcional e nada. Continuei minha vida normal, indo à academia. Enfim, perdi o filho que eu tanto queria”, disse.
Ela conta que já estava com dois meses chegando ao terceiro mês quando sentiu a forte dor e a perda de sangue.
“Foi um choque para mim, minha menstruação veio, então, não pensei que estava grávida, nem nada. Estava saindo de casa para o trabalho quando senti aquela dor horrível, me desesperei demais, posso dizer que foi a pior sensação da minha vida”, disse a professora.
A etapa da curetagem foi ainda mais dolorida, segundo o relato da professora. O método de raspagem no útero, embora tenha sido feito com anestesia, deixou marcas emocionais. “Todo esse processo é muito ruim. Você pensa se vai conseguir engravidar de novo, na dor de perder um filho que você desejava tanto, o próprio procedimento é vexatório”, descreveu.
Depois da tristeza e, com a ajuda de amigos e familiares, a professora conta que conseguiu superar parcialmente o trauma, mas ainda não conseguiu planejar uma segunda gravidez.
De acordo com a presidente da Assago, Hilka Espírito, muitas causas podem estar relacionadas ao um aborto espontâneo. Fatores genéticos e doenças autoimunes estão entre as principais causa, segundo a presidente.
“Um dos principais motivos na fase inicial são as alterações genéticas, além do que nas primeiras 12 semanas é uma fase muito sensível da gestação, que pede que as gestantes façam exercícios mais leves, que façam uma alimentação balanceada. Muitas ainda, quando isso acontece, têm doenças autoimunes, como o lúpus, por exemplo, que nem sabiam que tinham e afetam a gestação”, disse.
A especialista indicou, ainda, que a bebida alcoólica durante a gravidez e a exposição à radiação comprometem a saúde da criança.
Datasus aponta que maioria dos abortos é provocado
Por outro lado, a presidente da Sociedade Amazonense de Ginecologia e Obstetrícia (Assago), Hilka Espírito, alerta que a grande maioria dos abortos registrados no Datasus, é referente a abortos provocados e não espontâneos.
Segundo a presidente, os médicos não conseguem chegar a um critério de quando o aborto é de fato provocado e, por isso, notificam como aborto espontâneo e há a internação da paciente.
“Na verdade, essa coisa do aborto espontâneo a gente tem que acreditar, mas muitas vezes são provocados, na maioria delas. Às vezes já chega à maternidade sangrando e não tem critério para dizer como aquele aborto aconteceu. A incidência de aborto provocado é muito grande”, garantiu Hilka.
Planejamento familiar
A médica é contra a descriminalização do aborto e acredita que o melhor passo a ser seguido é o planejamento familiar. “Quando eu falo em abortamento, eu falo em interrupção da vida, não posso concordar que isso não é crime. A mulher tem todas as opções para fazer o planejamento familiar, se ela não faz isso, tem que arcar com as consequências”, disse a presidente.
Na avaliação de Hilka, a jurisprudência sobre a descriminalização do aborto não vai incentivar o aborto legalizado. “Eu não acredito que algum profissional de saúde vá querer fazer um aborto só pelo desejo da mulher”, enfatizou.
Aborto até o terceiro mês de gestação não é crime, decide 1ª Turma do STF
A decisão que está repercutindo nas redes sociais sobre o aborto discorre sobre a deliberação da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que abriu na última terça-feira, 29, um precedente ao entender que não é crime o aborto realizado durante o primeiro trimestre de gestação – independentemente do motivo que leve a mulher a interromper a gravidez. A decisão valeu apenas para um caso, envolvendo funcionários e médicos de uma clínica clandestina em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que tiveram a prisão preventiva decretada. Mesmo assim, pode servir como base para decisões de juízes de outras instâncias pelo País.
Durante o julgamento, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber se manifestaram no sentido de que não é crime a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre, além de não verem requisitos que legitimassem a prisão cautelar dos funcionários e dos médicos da clínica, como risco à ordem pública, à ordem econômica ou à aplicação da lei penal. Os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio Mello, que também compõem a 1ª Turma, concordaram com a revogação da prisão preventiva por questões processuais, mas não se manifestaram sobre a descriminalização do aborto nos primeiros três meses de gestação.
“Em temas moralmente divisivos, o papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que as mulheres façam a sua escolha. O Estado precisa estar do lado de quem deseja ter o filho. O Estado precisa estar do lado de quem não deseja – geralmente porque não pode – ter o filho. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados, o Estado não pode escolher um”, defendeu em seu voto o ministro Barroso.
Barroso destacou que em países desenvolvidos e democráticos, como Estados Unidos, Portugal, França, Itália, Canadá e Alemanha, a interrupção da gravidez no primeiro trimestre não é considerada crime. “É dominante no mundo democrático e desenvolvido a percepção de que a criminalização da interrupção voluntária da gestação atinge gravemente diversos direitos fundamentais da mulher, com reflexos visíveis sobre a dignidade humana”, ressaltou Barroso.
Gisele Rodrigues