Professora de Direito da Universidade de Brasília, ameaçada de morte por sua defesa do aborto legal, comenta o debate no tribunal
(O Globo, 07/08/2018 – acesse no site de origem)
Professora da Universidade de Brasília, Debora Diniz está há ao menos 15 anos à frente de ações no Supremo Tribunal Federal que envolvem temas relacionados ao aborto. Em 2017, o Psol e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), fundado por Debora, protocolaram a ação que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana.
Depois disso, a pesquisadora passou a receber ameaças e, como medida de segurança, deixou Brasília — para onde voltou apenas para participar dos debates.
O que achou das audiências?
As audiências foram um momento de giro do debate público sobre aborto no Brasil. No primeiro dia, as mais importantes comunidades científicas foram consensuais: a criminalização não é política de saúde, mas de desamparo. Os dados científicos confiáveis foram explicados e apresentam o que já se sabia: só a descriminalização diminui o número de abortos, cuida das mulheres e protege a família. Os argumentos em defesa da prisão dessas mulheres foram de ordem moral, semelhantes aos das comunidades da fé desta segunda-feira. Não há como o Supremo ignorar o que foi apresentado à exaustão nesses dois dias.
As redes sociais têm grande papel na troca de informações sobre o aborto. Como vê isso?
O Brasil é um dos poucos países onde difundir informação sobre como uma mulher pode fazer para evitar morrer é crime. Então elas criam mecanismos clandestinos para ajudar umas às outras. Esses espaços sempre existiram. Hoje estão na internet. Mas só participa quem tem acesso à internet. Não podemos pressupor que isso é universal no Brasil. Há um recorte de região e de classe. Não é à toa que as mulheres que morrem são negras, pobres e com filhos.
Muitos profissionais de saúde avisam à polícia quando recebem uma paciente que induziu o aborto.
Ela não pode ser denunciada por um profissional de saúde. É contra a lei. Mas muitos médicos estão tão confusos por conta do estigma do aborto que acham que têm que denunciar. E aí o que acontece é que essas mulheres, as mais vulneráveis, evitam procurar um serviço de saúde. As da elite podem pegar um avião e ir para a Colômbia, por exemplo, ou sabem onde comprar um medicamento sem correr risco.
Como avalia a maneira com que a sociedade debate o assunto atualmente?
Cada vez que temos uma crise política da magnitude da que o Brasil enfrenta, temas com forte apelo moral, como a união civil de pessoas do mesmo sexo ou o aborto, ganham força de comoção. Então, eles se transformam em veículo fácil para juntar multidões, inclusive com discurso de ódio.
Ana Paula Blower