Debora Diniz: “O aborto é uma dívida democrática às mulheres”

18 de abril, 2024 Público Por Andreia Friaças

Uma mulher que atravessa a fronteira para fazer um aborto, uma lei que transforma “médicos em polícias”: são os temas de Mulher Comum, o filme de Debora Diniz, investigadora exilada do Brasil.

A história de Scarleth Dantas é a de muitas outras mulheres. É brasileira, jovem, negra e viu-se obrigada a sair do Brasil para poder fazer um aborto seguro e legal. Percorreu mais de dois mil quilómetros para o fazer em Buenos Aires, na Argentina — país que descriminalizou o aborto há quatro anos, depois de uma mobilização histórica das mulheres argentinas.

A viagem de Scarleth, 29 anos, é retratada no filme Mulher Comum, o sexto documentário de Debora Diniz, realizadora, investigadora e professora da Universidade de Brasília. Há mais de 20 anos que é conhecida pela sua intervenção pública na discussão da interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Em 2018, foi forçada a deixar o Brasil, depois de receber ameaças e intimidações por defender a legalização do aborto. Neste país, o aborto continua a ser crime, punível até três anos de prisão. Há excepções: quando a gravidez resulta de uma violação e quando há risco de vida para a mulher. Desde 2012 que também é permitido em casos de feto anencéfalo, uma malformação cerebral grave. Debora Diniz foi uma das protagonistas da ação judicial que levou o Supremo Tribunal Federal a tomar esta decisão.

Nesta sexta-feira, vai apresentar o seu filme Mulher Comum no Porto Femme, o festival de cinema do Porto dedicado às mulheres. Ao P3, explica como a criminalização do aborto transforma “médicos em polícias” e como a punição não chega às “mulheres ricas”. Partilha a importância de reescrever a história para quem ainda está por vir e como tem sido difícil viver longe da terra onde queria estar.

Na apresentação que faz do filme, diz que a sua arte é a da escuta. Porque é que é importante escutar a vida desta mulher, a Scarleth? No mesmo português que a gente fala existe uma diferença entre ouvir e escutar. No japonês, a diferença é muito clara. O verbo é o mesmo (foneticamente, ouve-se “kiku”), só que quando a gente vai escrever é diferente. “Ouvir” (聞) tem dois caracteres que significam “portões”. Você só precisa ter dois ouvidos. Escutar (聴) tem mais caracteres: tem os dois portões, o número dez e o coração. Ou seja, você precisa de dez vezes mais emoções para escutar alguém do que só ouvir. O tema do aborto pede que a gente escute, não só que ouça.

A criminalização do aborto é um tema de fanatismo. Não é uma questão religiosa, é de um nicho da extrema-direita. Uma das características do fanático é ser alguém sem imaginação, já dizia Amos Oz [escritor israelita]. As pessoas vivem num tal estado de “desimaginação” sobre quem é a mulher, a menina, a pessoa que faz aborto… que não conseguem imaginar ou perceber que quem faz o aborto é precisamente a mulher comum, como Scarleth.

Acesse a entrevista completa no site de origem.

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