(Folha de S. Paulo, 07/2/2016) São cada vez mais assustadores os números do surto de microcefalia em recém-nascidos no Brasil. Sobem a mais de 3.600 os casos de suspeita da malformação craniana, já atestada em outros 404 bebês.
Embora ainda seja cedo para conclusões indubitáveis do ponto de vista científico, é consensual entre especialistas a opinião de que o vertiginoso crescimento desses números se associa à epidemia de vírus da febre zika. Antes, contavam-se em média cerca de 150 crianças nascidas com microcefalia a cada ano.
A notícia vem trazer viva angústia não apenas entre mulheres grávidas, futuros pais e seus familiares mas também a qualquer pessoa que, num futuro próximo, planeje ou acalente o sonho de ter um filho.
Imagine-se, apenas para dar um exemplo, a situação de uma mulher já perto do fim da idade recomendável para a gravidez. Estará confrontada com a alternativa de renunciar a qualquer aspiração de ter filhos ou de ver, com intensidade multiplicada como nunca, o risco de dar à luz uma criança com gravíssimo problema.
Em alguns países, como Colômbia e Equador, já circula a recomendação governamental para que mulheres evitem engravidar. No Brasil, mesmo sem tal alarme oficial, o cuidado e o medo se espalham velozmente na população.
Chega-se, com isso, a um doloroso paradoxo. Os mais convictos adversários do aborto –que invocam, naturalmente, o caráter intocável da concepção e da vida humana– veem-se compelidos a defender uma opção dramática.
Ou o nascimento de uma criança atingida pela condição deverá ser aceito como “missão” –estas as palavras do arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer– ou só resta, a muitos casais, a opção de não ter filhos de modo algum.
De uma convicção antiaborto, portanto, pode resultar a frustração de inúmeros sonhos familiares. Mulheres que talvez não viessem a se contaminar pelo vírus poderão deixar de engravidar, temendo consequências quiçá inexistentes.
Diante de circunstância tão difícil, e mais generalizada do que a antes imposta por riscos de malformação e defeitos congênitos, coloca-se com urgência a questão da descriminalização do aborto.
Vão nesse sentido as recomendações do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, expressas na sexta-feira (5). Entidades não governamentais intentam, por sua vez, levar a questão ao Supremo Tribunal Federal.
Favorável à descriminalização do aborto, esta Folha considera que um plebiscito seria o melhor modo de resolver tema tão polêmico. Dada a realidade da epidemia, realizá-lo se torna mais que oportuno.